Humor e Afeto

O humor é entendido como o estado emocional ou experiência afetiva predominante. O afeto é o sentimento associado à ideia ou à expressão das emoções do paciente. Igualmente importante é saber diferenciar conceitos como emoções (experiências afetivas de curta duração), humor (experiência mais duradoura: dias a meses) e temperamento (experiência afetiva geneticamente determinada, podendo durar anos ou décadas). A vida afetiva poderia ser definida, então, como um conjunto de estados que o indivíduo vive de forma própria (subjetiva), que marcam sua personalidade e sua conduta (transcendem) e se expressam geralmente de forma polarizada (alegria vs. tristeza; prazer vs. dor) (Sims, 1988).

As emoções básicas são universais, como demonstram diferentes estudos nos quais se observa que as expressões faciais para certas emoções são reconhecidas em todas as culturas, sugerindo que não são um resultado da aprendizagem. Os bebês humanos exibem expressões de raiva, medo, alegria, tristeza, surpresa ou nojo desde seu primeiro ano de vida. Isso sugere que diferentes redes neurológicas devem dar conta de diferentes emoções primárias em humanos (Lane et al., 1997). Vários modelos foram propostos para definir os correlatos neuroanatômicos das emoções. Foi sugerido que as emoções básicas se localizam no hemisfério direito, ou que as emoções de valência positiva são mediadas pelo hemisfério esquerdo, enquanto as de valência negativa no direito (Sackeim et al., 1982). No entanto, diferentes estudos não apoiam a ideia de uma separação hemisférica das emoções, nem de suas valências. Em um estudo, induziu-se tristeza a um grupo de voluntários saudáveis, pedindo-lhes que recordassem momentos tristes e, por meio de avaliação imagiológica funcional, detectou-se que a atividade cerebral no córtex orbitofrontal bilateral aumentava (Pardo et al., 1993). Outros autores estudaram a alegria e a tristeza em 11 mulheres saudáveis, combinando as lembranças pessoais com a exibição de imagens representativas de tristeza ou alegria. A tristeza foi associada a um aumento bilateral da atividade no cíngulo anterior, no córtex pré-frontal medial e no córtex temporal medial, assim como no tronco cerebral, no tálamo e no caudado/putâmen. A alegria, em contrapartida, foi associada a uma diminuição da atividade no córtex pré-frontal direito e em regiões temporo-parietais (George et al., 1995). Finalmente, um estudo com 20 mulheres saudáveis, com um procedimento similar ao anterior, mostrou que a tristeza se associa a atividade aumentada no córtex pré-frontal medial, tálamo, tronco cerebral, caudado e putâmen. Adicionalmente, encontrou-se um aumento na atividade cerebral regional no córtex insular anterior durante a exposição a lembranças tristes ou a imagens que evocam tristeza. O córtex orbitofrontal, concluem outros autores, participa da integração da informação sobre os mecanismos de recompensa e punição associados a diferentes tipos de emoções (Lane et al., 1997).


Transtorno Depressivo Maior (Doença Unipolar)

História

O transtorno depressivo maior é caracterizado por um ou vários episódios depressivos severos que levam a mudanças marcadas no funcionamento prévio, às vezes com delírios e alucinações relacionados ou não ao estado afetivo. Hipócrates (460-357 a.C.), que postulou que as doenças mentais “não eram devidas a forças sobrenaturais ou mágicas”, descreveu a melancolia como uma das doenças mentais mais importantes e indicou que se produzia por um desequilíbrio dos fluidos humanos (bílis negra) e se caracterizava por um estado de “aversão aos alimentos, desânimo, insônia, irritabilidade e inquietude”, de tal maneira que “um temor ou depressão que se prolongam significam uma melancolia”. O conceito de saúde e doença para os gregos baseava-se na harmonia dos 4 humores: sanguíneo (que em excesso levava à mania), melancólico, colérico (bílis amarela, hoje concebido como transtorno de personalidade borderline) e fleumático (similar ao transtorno de personalidade evitativa). Para os romanos, o consumo excessivo de vinho, as perturbações da alma devido às paixões como o amor e os distúrbios nos ciclos de sono, contribuíam para a presença de melancolia; além disso, o outono era considerado estação propícia para a doença. Em 1621, o psiquiatra inglês Robert Burton (1577-1640) publicou o livro “The Anatomy of Melancholy” e considerava o transtorno uma doença universal, às vezes sem causa aparente ou devida à dieta, ao álcool, aos ritmos biológicos e a perturbações das paixões como o amor intenso. Considerava os temperamentos melancólico e sanguíneo como substratos da melancolia.

Jean-Philippe Esquirol (1772-1840) foi o primeiro psiquiatra moderno a sugerir que a alteração primária do afeto pode ser encontrada em muitas formas de depressão ou psicoses paranoicas relacionadas. Chegou a considerar a melancolia como uma forma de loucura parcial. Kraepelin foi o primeiro a agrupar todas as formas de melancolia e mania no termo de doença maníaco-depressiva. Para ele, todas as formas tinham uma base hereditária comum, alternavam-se uma a outra, permitiam intervalos livres de sintomas, recorriam e podiam apresentar-se juntas em um mesmo episódio.

Adolf Mayer foi o primeiro a considerar que tanto fatores biológicos quanto ambientais contribuíam para o surgimento dos transtornos depressivos. Ele utiliza o termo depressão, pois melancolia fazia referência a causas puramente biológicas (Akiskal, 1995). Assim, o termo “depressão” denota um grupo de condições que vão desde uma resposta disfórica a eventos ambientais adversos até uma síndrome médica caracterizada por um humor depressivo constante acompanhado de sintomas fisiológicos de aparecimento espontâneo em algumas ocasiões. A “resposta disfórica” foi definida em décadas passadas como “depressão reativa” ou “depressão neurótica”, enquanto o quadro definido de sintomatologia depressiva de aparecimento espontâneo foi chamado de “depressão endógena” (o que hoje conhecemos como transtorno depressivo maior tipo melancólico). No primeiro caso, postulava-se um maior efeito da psicoterapia e no outro, da farmacoterapia (Bielski & Friedel, 1976). Hoje em dia, essa subdivisão foi reavaliada e assume-se que os transtornos depressivos são diferentes psicopatológica e biologicamente dos transtornos de ajuste.

Etiopatogenia

1. Genética:

Muitos estudos foram realizados para determinar a participação genética na etiologia desse transtorno e seu espectro de manifestações. Winokur et al. realizaram um estudo familiar com 100 pacientes unipolares hospitalizados e descobriram que o risco para transtornos afetivos foi maior nos parentes de primeiro grau de pacientes com início precoce (< 40 anos de idade) e que as mulheres com um início precoce do transtorno têm uma maior probabilidade de ter parentes com alcoolismo e sociopatia. Os autores concluem que esses achados são compatíveis com a transmissão de um gene dominante, mas o fato de encontrar antecedentes familiares positivos tanto em pacientes com início precoce quanto naqueles com início tardio, sugerem ou um grau de penetrância variável do gene ou, mais provavelmente, um padrão de herança de tipo poligênico (Winokur et al., 1971). Durante décadas, o maior risco de depressão maior em mulheres levou a supor a participação de um gene dominante no cromossomo X, mas estudos com marcadores do DNA não puderam confirmá-lo e a transmissão de pai para filho(a), frequente tanto em transtorno unipolar quanto bipolar, é um argumento contra essa hipótese (Hebebrand, 1992).

Estudos com gêmeos revelam taxas de concordância entre 40%-43% para monozigóticos e entre 11%-18% para dizigóticos (Allen, 1976; Bertelsen et al., 1977). Outros reportam taxas de 33% vs. 14% quando se apresentam menos de 3 episódios e de 59% vs. 14% com 3 ou mais episódios (Bertelsen et al., 1977). Taxas mais elevadas foram relatadas por Wender e colaboradores, com 76% para monozigóticos e 19% para dizigóticos; no entanto, as taxas dos monozigóticos caem para 67% quando estes foram adotados por diferentes famílias (Bertelsen, 1985; Wender et al., 1986).

Crianças com um parente de primeiro grau que tenha doença afetiva têm 2 vezes mais chance de desenvolver um transtorno afetivo do que a população geral, e aquelas que têm dois parentes com o transtorno aumentam seu risco em 4 vezes. Em sentido inverso, os transtornos psiquiátricos são mais prevalentes entre os parentes de crianças deprimidas: os transtornos afetivos maiores são 6,5 vezes mais frequentes em parentes de primeiro grau e 3,5 vezes em parentes de segundo grau. Além disso, o diagnóstico de transtorno afetivo foi 3 vezes maior nas mães do que nos pais dos 100 casos de depressão em crianças estudados. Em termos de porcentagem, os parentes de primeiro grau dos pacientes com transtorno depressivo maior apresentam um risco de 2,7% para transtorno bipolar e 15,6% para transtorno unipolar (9% em homens e 14% em mulheres) vs. 3,7% para transtorno unipolar em controles (Nurnberg & Gershon, 1992).

Deve-se levar em conta que o início precoce do transtorno indica uma forma severa de maior penetrância genética (Weissman et al., 1984; 1992). A depressão maior é 2 vezes mais comum em filhos de pais que apresentam seu primeiro episódio depressivo antes dos 20 anos (Weissman et al., 1988a). Mas, naqueles pais cujo primeiro episódio é posterior aos 40 anos, o risco para os filhos não é superior ao da população geral (Price et al., 1987). Por outro lado, um estudo com mulheres gêmeas com depressão leve mostrou taxas de concordância de 49% para monozigóticas e de 42% para dizigóticas, o que indica uma menor influência genética e uma maior participação de fatores ambientais (Kendler et al., 1992). As depressões mais severas mostram uma maior influência genética (McGuffin et al., 1996).

2. Achados Neuroanatômicos e Neuroimagem:

As tentativas de determinar as estruturas anatômicas implicadas na produção dos sintomas dos transtornos afetivos baseiam-se em estudos de pacientes com transtornos afetivos secundários e em estudos de imagem de pacientes com transtornos afetivos primários. Em pacientes com lesões por traumatismo cranioencefálico (TCE), o comprometimento do lobo frontal direito tem sido mais frequentemente associado à depressão (Lishman, 1968). Esses dados contrastam com o comprometimento do lobo frontal esquerdo observado em pacientes com doença cerebrovascular (DCV) (Starkstein & Robinson, 1989). Ainda não foram postuladas explicações convincentes para tal diferença, mas outros tipos de abordagens levam a apontar a depressão secundária a TCE como um caso particular.

Estudos com RM mostraram que as áreas do tronco cerebral, do verme superior e posterior do cerebelo, da medula, do caudado, do putâmen e do lobo temporal, são significativamente menores em pacientes deprimidos, enquanto se observa um aumento nos ventrículos cerebrais com hiperintensidades na subcortical, região periventricular, caudado e gânglios da base (Coffey et al., 1990; Rabins et al., 1991; Doraiswamy et al., 1992; Shah et al., 1992; Krishnan et al., 1992; Cummings, 1993). Adicionalmente, o córtex pré-frontal ventral foi observado reduzido no volume da matéria cinzenta em 48% dos pacientes unipolares (Drevets et al., 1997). Em pacientes idosos com transtorno depressivo maior (depressão geriátrica) e em pacientes com depressão psicótica, encontram-se alterações na TAC com aumento no tamanho dos ventrículos laterais (Jacoby & Levy, 1980) e do terceiro ventrículo, atrofia dos sulcos corticais e do cerebelo (Iacono et al., 1988; Drevets, 1994). Estudos com PET e SPECT e ativação cerebral farmacológica (m-CPP, Fenfluramina) ou neuropsicológica, revelam uma diminuição do metabolismo frontotemporal (polo temporal anterior bilateral), hipofrontalidade (córtex orbitofrontal esquerdo, pré-frontal anterolateral dorsal esquerdo e córtex pré-frontal subgenual), hipometabolismo dos gânglios da base e hipoperfusão dos lobos parietais e occipitais (Buchsbaum et al., 1984; Baxter et al., 1989; Martinot et al., 1990; Baxter, 1991; Mann et al., 1996; Drevets et al., 1997). O comprometimento do córtex pré-frontal foi recentemente avaliado com técnicas de maior resolução como o PET com localização estereotáxica. Neste estudo, o metabolismo no córtex pré-frontal subgenual esquerdo de unipolares não medicados por mais de 4 semanas foi observado diminuído em 12,2% em relação aos controles (p < 0,025). O volume de matéria cinzenta desse córtex também foi avaliado, encontrando-se uma redução de 18% em relação aos controles (p < 0,0002). Um período posterior de tratamento de 3,2 +/- 3,5 meses não produziu mudanças na anormalidade anatômica. O córtex pré-frontal subgenual tem extensas conexões com estruturas envolvidas no comportamento emocional, como a amígdala, o hipotálamo lateral, o núcleo accumbens e os núcleos aminérgicos do tronco cerebral (Drevets et al., 1997). Foi encontrada também uma redução no tamanho do giro parahipocampal direito em estudos post-mortem (Kleinman & Hyde, 1993).

3. Neurotransmissores e Receptores:

Aparentemente, o principal mecanismo implicado é a diminuição de aminas biogênicas (noradrenalina, serotonina e dopamina) e os efeitos que essa diminuição acarreta no nível dos neurônios pós-sinápticos, que, por falta de um estímulo adequado, não levam à ativação necessária de enzimas e genes que garantem um estado eutímico. Os neurônios serotoninérgicos partem do rafe médio e os noradrenérgicos do locus coeruleus no nível do tronco cerebral, projetando-se para diferentes estruturas do prosencéfalo, amígdala, hipocampo, hipotálamo, corpos mamilares, núcleo accumbens e córtex cerebral; isso explicaria os sintomas associados à depressão, como perda do apetite, insônia, perda do interesse, diminuição da concentração e comportamento ou ideação suicida, quando tais projeções neuronais são comprometidas (Kleinman & Hyde, 1993). Apesar disso, ainda não foi possível demonstrar, depois de mais de três décadas, que a deficiência ou excesso de tais aminas biogênicas seja necessário ou suficiente para a apresentação dos transtornos do humor (Akiskal, 1995).

Foi demonstrado que o 5-HIAA (ácido 5-hidroxi-indol-acético), metabólito da serotonina, está significativamente diminuído no LCR de pacientes deprimidos e que os receptores de 5-HT2 estão aumentados nas plaquetas e na membrana pós-sináptica de neurônios do lobo frontal de pacientes deprimidos (especialmente naqueles com comportamento suicida) (Coppen et al., 1972; Asberg et al., 1976; 1984; Traskman et al., 1981; Brown et al., 1982; Mann et al., 1986; Kleinman & Hyde, 1993; Pandey et al., 1994). Adicionalmente, foram detectadas anormalidades nos transportadores de serotonina no nível plaquetário, consistentes em um número reduzido e um déficit no transporte do neurotransmissor. O comprometimento do transportador de serotonina no nível plaquetário justifica sua alteração no nível cerebral, já que a similaridade dos transportadores plaquetários e neuronais foi demonstrada em humanos (Nemeroff et al., 1994). Portanto, suspeita-se que os pacientes deprimidos apresentam uma deficiência funcional da atividade serotoninérgica pré-sináptica. Estudos que avaliam especificamente o papel da serotonina na etiologia da depressão mostram que essa indolamina induz um aumento na concentração plasmática de prolactina após a administração de Fenfluramina, L-triptofano ou Clomipramina em sujeitos saudáveis, mas em pacientes deprimidos observa-se um achatamento de tal resposta, devido possivelmente a um funcionamento inadequado de receptores 5-HT1C ou 5-HT2 (esse achado é postulado como um promissor marcador biológico) (Siever et al., 1984; López-Ibor, 1992). Vários estudos estimaram uma diminuição na atividade serotoninérgica central próxima a 30% em pacientes depressivos, sugerindo um déficit na captação de aminoácidos (Coccaro et al., 1989). Agreen et al. (1991) estudaram 6 sujeitos com depressão, tanto em suas fases ativas quanto de recuperação, com 5-hidroxitriptofano radiomarcado. Encontraram uma menor captação do precursor de serotonina (de 30%) no nível cerebral nesses pacientes, tanto em sua fase ativa quanto de recuperação, do que em sujeitos controles. Mas o comprometimento do sistema serotoninérgico parece não ser apenas na produção da serotonina, mas também em sua recuperação. Lewis & McChesney (1985), utilizando Imipramina radiomarcada, observaram uma diminuição na ligação do medicamento aos transportadores de serotonina no nível plaquetário.

Com relação ao papel da noradrenalina, foi encontrado que os níveis do metabólito 3-metoxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG) na urina estão diminuídos unicamente durante os episódios (Post et al., 1973) e especialmente nos pacientes com marcado retardo psicomotor e insônia tardia (Samson et al., 1994), mas sem ser um achado constante em todos os pacientes, o que o torna um fraco marcador biológico de estado (Maas et al., 1972; Gerner et al., 1984). No entanto, outros autores sustentam o contrário ao encontrar altas correlações entre os baixos níveis de MHPG na urina e a resposta à Imipramina (Maas et al., 1972; Fawcett et al., 1972; Beckmann & Goodwin, 1975; Rosenbaum et al., 1980; Janicak et al., 1986), Nortriptilina (Hollister et al., 1980) e Maprotilina (Rosenbaum et al., 1980). Isso permitiu inclusive postular três tipos de depressões segundo o nível de MHPG na urina: subtipo I (baixos níveis pré-tratamento por diminuição na síntese ou liberação de noradrenalina com melhores respostas à Imipramina, Desipramina, Nortriptilina ou Maprotilina), subtipo II (níveis intermediários, com produção e liberação normal de noradrenalina, mas alterações em outras vias neuronais) e subtipo III (altos níveis por liberação elevada de noradrenalina devido a alterações em receptores pós-sinápticos e a um aumento da atividade colinérgica e da liberação de CRH; com melhores respostas à Amitriptilina ou Alprazolam) (Schildkraut et al., 1978; Schatzberg et al., 1982; Mooney et al., 1988). Por outro lado, Janowsky e col. descobriram que os neurônios colinérgicos são antagonistas dos catecolaminérgicos e por isso devem manter um equilíbrio adequado para o controle do humor. Os fármacos com propriedades colinérgicas podem induzir depressões ou exacerbá-las e diminuir a intensidade dos episódios maníacos, sugerindo-se que os pacientes deprimidos podem ter uma hipersensibilidade nos receptores colinérgicos e que por isso responderiam satisfatoriamente a qualquer tipo de ADT (Janowsky et al., 1972).

Quanto aos receptores, vários estudos demonstraram uma hipersensibilidade dos receptores a2 plaquetários em pacientes deprimidos (García-Sevilla, 1989). O tratamento com antidepressivos tem sido associado a uma diminuição na densidade e sensibilidade desses receptores. Outros autores, no entanto, encontraram um efeito oposto, uma diminuição na sensibilidade dos receptores a2 plaquetários, achado confirmado pelo achatamento na liberação da hormona do crescimento (GH) e que se normaliza após a administração de Desipramina (Siever & Uhde, 1984; Kafka & Paul, 1986; Piletz, 1991). Desde o final dos anos sessenta, sabia-se que a deficiência serotoninérgica produz sintomas depressivos (Lapin & Oxenkrug, 1969). Prange formulou a hipótese de que o déficit de serotonina permite a expressão dos estados depressivo ou maníaco mediados por catecolaminas (Prange et al., 1974). Os neurônios serotoninérgicos, ao serem estimulados por diferentes mecanismos, parecem desinibir os noradrenérgicos, o que leva a uma dessensibilização de receptores adrenérgicos pós-sinápticos b e pré-sinápticos a2. Dessa perspectiva, um desequilíbrio no tônus dos sistemas serotoninérgicos e catecolaminérgicos seria o responsável pelo quadro clínico da depressão, mais do que uma anormalidade de um ou de outro (Grahame-Smith., 1989; López-Ibor, 1992). Corroborando o exposto, foi encontrada uma diminuição no número de receptores b-adrenérgicos no nível dos linfócitos e do hipocampo em alguns pacientes deprimidos (Crow et al., 1984). Esse dado, no entanto, deve ser visto com cautela, uma vez que foi relatado seu aumento nos tecidos cerebrais quando o paciente cometeu suicídio (Green et al., 1995).

A participação de outros sistemas de neurotransmissão na depressão tem sido menos estudada. D’haenen & Bossuyt relataram um aumento na densidade de receptores D2 em pacientes deprimidos, corroborando a hipótese de que a hipofunção dopaminérgica pode desempenhar um papel nos transtornos depressivos (D’haenen & Bossuyt, 1994). Essa hipótese é igualmente corroborada por alguns relatos de diminuição do ácido homovanílico (HVA), o metabólito da dopamina, no LCR de pacientes com depressão (Kasa et al., 1982). A diminuição da atividade GABAérgica e a diminuição do GABA no LCR podem desempenhar um papel na regulação da resposta dos receptores às catecolaminas, na taxa de disparo dos neurônios noradrenérgicos e na taxa de disparo e síntese de dopamina e serotonina (Gold et al., 1980; Gerner & Hare, 1981; Gerner et al., 1984).

4. Alterações Neuroendócrinas:

No transtorno depressivo, também se encontram alterações em diversos eixos neuroendócrinos e dos peptídeos hipotalâmicos que controlam a hipófise anterior, pois é sabido que o sistema límbico e os neurotransmissores clássicos (serotonina, noradrenalina, dopamina e acetilcolina) regulam o hipotálamo (Martin, 1973) [FIG. 6]. Os primeiros artigos sobre psiconeuroendocrinologia já mostravam a relação entre os sistemas de neurotransmissão e a liberação hormonal no nível hipotalâmico e hipofisário. A secreção basal de ACTH e CRH (hormônio liberador de corticotropina) é aumentada por estímulos colinérgicos e serotoninérgicos e é diminuída pela ação dopaminérgica; a resposta da GH (hormônio do crescimento) é significativamente aumentada por agentes serotoninérgicos e noradrenérgicos; os níveis elevados de prolactina foram observados após a administração de 5-hidroxitriptofano e o bloqueio dopaminérgico, e a dopamina e a noradrenalina aumentam a secreção de TRH (hormônio liberador de tireotropina), enquanto a serotonina a inibe (Ettigi & Brown, 1977). Foi relatado aumento do TRH, aumento do CRH e, consequentemente, do cortisol, diminuição do FSH (hormônio folículo estimulante), do LH (hormônio luteinizante), da testosterona e da melatonina, que refletem um transtorno secundário do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) e do eixo hipotálamo-hipófise-tireoide (HHT) (Boyce, 1985; Heinze et al., 1990; Kasper et al., 1990; Rubin et al., 1992).

O cortisol é liberado das glândulas suprarrenais de forma periódica com 7 a 9 picos ao dia, com maiores níveis sanguíneos nas primeiras horas da manhã (2h e 9h) como consequência da liberação de pulsos de CRH no hipotálamo (Ettigi & Brown, 1977). Cerca de 40% a 50% dos pacientes com depressão endógena exibem uma resistência à supressão do eixo HHA quando se administra Dexametasona, embora essa alteração geralmente se reverta com o desaparecimento dos sintomas depressivos (Brown et al., 1979) (ver mais adiante “teste de supressão da Dexametasona”). Embora inicialmente se pensasse que as concentrações elevadas de cortisol em sujeitos deprimidos eram consequência de fatores não específicos como o estresse (Gold et al., 1988), hoje se sabe que esses pacientes, especialmente aqueles com depressão melancólica e psicótica, apresentam um estado de hipercortisolemia secundária ao aumento de CRH por uma possível alteração na retroalimentação de cortisol no nível hipotalâmico por diminuição no número de receptores para glicocorticoides (Carpenter & Bunney, 1971; Sachar et al., 1973; Banki et al., 1987; 1988). Esses efeitos são mediados pela ação dos sistemas noradrenérgico e serotoninérgico sobre o eixo HHA; particularmente sobre neurônios hipocampais e hipotalâmicos que contêm hormônio liberador de corticotropina (CRH) (Delbende et al., 1992). A conexão entre o sistema noradrenérgico e a CRH não é apenas em um sentido (com aumento da liberação de noradrenalina no córtex e hipocampo após o estímulo da CRH liberada pelo estresse), mas também em sentido inverso, com liberação de CRH diante da infusão de noradrenalina e serotonina em células hipotalâmicas e hipocampais (Curtis, 1997).

Embora a relação entre hipercortisolemia e depressão maior possa explicar a alta incidência desse transtorno em pacientes com doença de Cushing, em um estudo de Kling, M.A., os níveis de CRH e de ACTH no LCR foram significativamente menores em pacientes com doença de Cushing em comparação com os de pacientes com depressão maior (p < 0.01) ou controles (p < 0.001). Esses dados sugerem que as diferenças na secreção de CRH e os defeitos nos receptores periféricos para corticosteroides podem explicar as diferentes formas de apresentação das síndromes disfóricas vistas na depressão maior e na doença de Cushing: a melancolia associa-se frequentemente à ansiedade, insônia e anorexia, enquanto a doença de Cushing, à hiperfagia, fadiga e inércia (Kling, 1991). Os receptores para a CRH não se encontram apenas no nível hipofisário, mas também em altas concentrações no locus coeruleus, aumentando a renovação de noradrenalina e dopamina. Nos pacientes com depressão maior, esses receptores estão diminuídos em número devido às altas concentrações do hormônio, o que pode comprometer a taxa de renovação das catecolaminas. Um nível de cortisol alto, tanto no sangue quanto no LCR, assim como uma diminuição da densidade de receptores CRH no córtex pré-frontal, é mais frequentemente encontrado em pacientes com tentativas de suicídio (Nemeroff et al., 1988; López-Ibor, 1992). A ação inibitória dos corticosteroides sobre a retroalimentação rápida da secreção de ACTH induzida pelo estresse está diminuída em pacientes deprimidos, devido talvez à diminuição dos receptores para corticosteroides no SNC (Ritchie et al., 1990; Young, 1991). Isso se traduz em uma liberação marcada e constante de CRH que leva a uma maior secreção de ACTH (com aumento do volume e do comprimento do lobo anterior da hipófise) que, por sua vez, leva a uma hipertrofia adrenocortical em aproximadamente 70% dos sujeitos deprimidos (Zis & Zis, 1987; Krishnan, 1991; Nemeroff et al., 1992; Rubin et al., 1995). Os antidepressivos e a TEC permitem o retorno dos níveis plasmáticos normais de glicocorticoides e do volume das glândulas suprarrenais (Nemeroff & Krishnan, 1993; Rubin et al., 1995). Um interessante estudo realizado por Pope & Katz mostra que atletas usuários de esteroides (anabólicos) apresentam síndromes afetivas (depressão, mania ou hipomania) em maior proporção (23%) do que atletas não expostos (p < 0.01) (Pope & Katz, 1994). As relações entre a atividade do eixo HHA e os níveis de monoaminas foram pouco estudadas. O 5-hidroxitriptofano aumenta os níveis de cortisol pós-TSD, o que permite postular que a serotonina pode desempenhar um papel muito importante na estimulação da secreção basal de cortisol (Maes et al., 1991). Por sua vez, a administração de Dexametasona pode aumentar significativamente as concentrações plasmáticas de dopamina e HVA em sujeitos saudáveis (Wolkowitz et al., 1985).

A resposta diminuída da TSH (hormônio tireoestimulante) ao TRH exógeno, observada em 25%-30% dos sujeitos deprimidos e que se correlaciona positivamente com a severidade da depressão, pode ser devido a uma hipersecreção crônica de TRH que dessensibiliza os receptores hipofisários tireotrópicos e os leva a uma diminuição em seu número (Ehrensing et al., 1974; Loosen & Prange, 1982; Banki et al., 1988; Nemeroff & Krishnan, 1993). No entanto, Extein (1981) também relatou uma resposta exagerada do TSH ao TRH em 15% dos pacientes deprimidos com valores normais de T3, T4 e TSH prévios [hipotireoidismo grau III] (Nathan et al., 1995). Foi relatada também em sujeitos deprimidos uma maior presença de anticorpos antimicrossomais tireoidianos e/ou anticorpos antitireoglobulina, o que poderia sugerir uma tireoidite autoimune não sintomática como uma possível etiologia (Nemeroff et al., 1985). A resposta observada com pequenas doses de T3 ou de TRH para a potencialização da terapia antidepressiva poderia apoiar essa hipótese (Kastin et al., 1972; Prange et al., 1973), mas outros autores não puderam reproduzir esses resultados (Coppen et al., 1974).

A GH é secretada no nível da hipófise em pulsos que são mais elevados nas primeiras horas da noite (sono de ondas lentas) ou em situações de estresse e de forma dependente da estimulação de receptores a2 pós-sinápticos e do hormônio liberador do hormônio do crescimento (GRH). Em sujeitos deprimidos, observa-se uma secreção maior da GH principalmente em horas de vigília e diminuição em horas da noite (aumento do sono REM) (Nemeroff & Krishnan, 1993). Os sujeitos deprimidos apresentam também um achatamento da resposta da GH à GRH, à Clonidina (um agonista de receptores a2 pós-sinápticos), ao 5-hidroxitriptofano e ao TRH. Além disso, Dinan & Barry relataram que a resposta da GH à administração oral de desmetilimipramina estava diminuída em sujeitos deprimidos (Dinan & Barry, 1990), enquanto Gruen et al. relataram uma resposta achatada à hipoglicemia induzida por insulina em mulheres pós-menopáusicas deprimidas (Gruen et al., 1975). A resposta achatada da GH à Clonidina mantém-se mesmo após a remissão dos sintomas depressivos, sugerindo que a medição dos níveis desse hormônio poderia servir como um marcador de traço. No entanto, Thakore & Dinan descobriram que todos os pacientes deprimidos que receberam Fluoxetina em um estudo comparativo com placebo, mostraram um aumento na liberação de GH induzida por Dexametasona, podendo estabelecer que a recuperação clínica estava associada a esse aumento (marcador de estado) (Thakore & Dinan, 1995).

5. Alterações do Sistema Imune:

Aproximadamente 54% dos pacientes deprimidos podem exibir títulos aumentados de anticorpos antifosfolipídeos (autoimunidade?) (Maes, 1993). Outras anormalidades imunológicas encontradas em pacientes deprimidos foram uma diminuição na resposta proliferativa dos linfócitos à estimulação de mitógenos (achados pouco consistentes) (Schleifer et al., 1984), uma diminuição da atividade das células naturais assassinas e uma diminuição na resposta proliferativa dos linfócitos à estimulação de mitógenos (achados pouco consistentes).

As alterações do sistema imune na depressão maior não parecem ser um correlato biológico específico desses transtornos, mas podem se apresentar associadas a outras variáveis características dos pacientes depressivos, como a idade e a gravidade dos sintomas.

6. Relevância dos Estressores Sociais:

As teorias biopsicossociais sustentam que fatores psicológicos, biológicos e sociais convergem em déficits reversíveis nos substratos diencefálicos de prazer e recompensa. Assim, as perdas objetais, a diminuição da autoestima, o desenvolvimento de esquemas cognitivos negativos ou a desesperança aprendida, embora não determinem por si mesmas o surgimento de um transtorno depressivo, podem modificar sua expressão e levar a um início mais precoce, episódios mais severos, comorbidade com transtornos de personalidade e maiores tentativas de suicídio. Os estressores sociais, por sua vez, são importantes como fatores desencadeantes nos episódios iniciais do transtorno, a ponto de quase 75% dos pacientes com transtorno depressivo maior tipo melancólico terem experimentado um evento estressante (perda de um ente querido, por exemplo) nos meses precedentes ao início de sua doença (Swann et al., 1990; Kendler et al., 1993; Akiskal, 1995). Os aspectos psicológicos poderiam levar a alterações neuroquímicas e neurofisiológicas no cérebro que resultariam em alterações significativas no balanço de neurotransmissores, razão pela qual uma intervenção terapêutica acompanhada de um tratamento psicossocial terá mais sucesso em prevenir as recaídas e em melhorar a aceitação da medicação por parte do paciente. Post e colaboradores, por exemplo, citam vários estudos que documentam que a perda de um pai ou qualquer outra separação estressante na infância pode não estar associada a um episódio de depressão maior, mas predispõe ao surgimento de um episódio de tal natureza mais tarde (Post et al., 1986). Para Brown & Harris, em quase 3/4 dos casos de primeiro episódio depressivo, existiu um agente provocador de importância etiológica, representado por um acontecimento vital estressante. Em episódios posteriores (mais de dois), a presença de um evento desencadeante é menos evidente (Swann et al., 1990; Blazer, 1995).

Um estilo de vida adverso, como gravidez na adolescência, relações interpessoais violentas e um sistema de suporte econômico e emocional pobre podem contribuir para o aparecimento dos transtornos depressivos (MacGregor, 1995). Um estudo realizado com 113 sujeitos saudáveis entre 26 e 62 anos de idade, no qual foram avaliados 16 grandes eventos vitais negativos, mostrou que os mesmos influenciam mais a saúde mental (transtornos do espectro afetivo) do que a saúde física dos sujeitos, corroborando ainda a percepção de que tanto os fatores biológicos (herança), quanto os psicológicos (personalidade instável) e os sociais (eventos vitais negativos) se relacionam com o aparecimento de sintomatologia depressiva (Cui & Vaillant, 1996).

Definição

Os sintomas próprios do transtorno depressivo maior são definidos como (Akiskal, 1995):

  • Afeto deprimido (em 100% dos casos) que tende a ser menos severo no período da tarde, indicado por um relato subjetivo (sentimentos de tristeza ou vazio) ou por observação de outros (aparência triste). Em crianças e adolescentes, pode ser visto como humor irritável (APA, 1994).
  • Anedonia ou inabilidade para experimentar prazer e emoções normais como chorar. Diferencia-se do achatamento afetivo do paciente com esquizofrenia porque a anedonia é vivenciada como egodistônica e o mal-estar é exteriorizado.
  • Alterações psicomotoras em forma de agitação ou retardo (bradipsiquia); este último manifestando-se por postura decaída, fadiga, diminuição da fluidez verbal e aumento da latência de respostas, sentimento de que o tempo passa lentamente, ruminação de pensamentos, indecisão e diminuição da concentração. O estupor pode apresentar-se com comprometimento das funções biológicas elementares como a alimentação. A apresentação de fadiga como sintoma isolado tem sido associada ao aparecimento posterior de depressão em homens (Dryman & Eaton, 1991).
  • Alterações cognitivas com ideias de privação e perda, baixa autoestima, marcado autorreproche e culpa, desesperança e pessimismo e recorrentes pensamentos de morte e ideias suicidas; às vezes, em casos severos, podem apresentar-se ideias delirantes congruentes ou não com o estado de humor.
  • Insônia (80-85% dos casos) com despertar precoce por adiantamento do ciclo sono-vigília (17h às 2h, por exemplo), diminuição do número e intensidade dos fusos do sono e das fases 3 e 4 com diminuição das ondas delta; também diminuição da latência do REM e aumento do mesmo na primeira metade. A remissão aparente da sintomatologia sem diminuição do encurtamento da latência do REM pode significar um grande risco de recaída. A insônia como sintoma isolado tem sido associada ao aparecimento posterior de depressão em mulheres (Dryman & Eaton, 1991).
  • Diminuição do apetite e disfunção sexual pelo comprometimento hipotalâmico na depressão. A serotonina modula os centros hipotalâmicos que regulam o apetite, e conjuntamente com a noradrenalina, regula as diferentes fases do funcionamento sexual.
  • Ideação suicida em 60% dos pacientes, tentativas suicidas em 20% e suicídio em 10-15% dos pacientes (75% dos que têm uma primeira tentativa voltam a apresentá-la mais tarde). Os pensamentos e tentativas suicidas estão relacionados com a diminuição do 5-HIAA no LCR e aumento dos receptores 5-HT2 pós-sinápticos (Isometsa et al., 1994). Entre 68 pacientes deprimidos, identificou-se uma distribuição bimodal dos níveis de 5-HIAA no LCR; os pacientes com baixos níveis tentaram mais o suicídio do que aqueles com níveis altos (Asberg et al., 1976). Além disso, estão implicados também um aumento do MHPG (metabólito da noradrenalina) e do cortisol e diminuição do HVA (metabólito da dopamina). O NIMH Collaborative Program na psicopatologia da depressão incluiu 954 pacientes com transtornos afetivos. Após 8 anos de acompanhamento, 3% haviam cometido suicídio. Nove características clínicas foram associadas a este: ataques de pânico, ansiedade severa, concentração diminuída, insônia global, abuso de álcool moderado, anedonia severa, desesperança, ideação suicida e tentativas prévias (Fawcett et al., 1990). Em outro estudo, sintomas como insônia, autonegligência e transtornos de memória são encontrados em maior proporção em pacientes deprimidos com tentativas suicidas do que em pacientes deprimidos que não se suicidam (Roy, 1993). Um estudo realizado por Roy mostra que apenas 41% dos pacientes com depressão que cometeram suicídio recebiam tratamento no momento da morte, mas apenas 45,9% destes recebiam doses apropriadas (18,8% do total) (Roy, 1982). O risco de suicídio é menos pronunciado durante o episódio agudo severo de depressão maior, “mas quando a inibição psicomotora melhora, o paciente já possui energia para cometer o ato suicida” (Kraepelin).
  • Transtornos na memória recente, devido a uma capacidade de atenção limitada, consumida com pensamentos obsessivos. Pacientes deprimidos têm déficits em adotar uma estratégia ativa de agrupamento semântico que os impede de recordar adequadamente uma lista aleatória de palavras (Weingartner et al., 1981). Sua memória de desempenho frequentemente melhora nos testes de reconhecimento, compensando as dificuldades de evocação. Os transtornos de memória podem estar presentes em mais de 50% dos pacientes, com 28,6% classificando como demência subcortical em análises de função discriminativa (Delis, 1993).

Para o diagnóstico de um transtorno depressivo maior, é necessária a presença de alterações cognitivas, psicomotoras, afetivas e vegetativas. O transtorno geralmente se apresenta na forma de episódios que duram de 3 a 12 meses sem tratamento (8 meses em média) e recidivam a cada 5 anos (56-76%) com 5 episódios em média ao longo da vida; cerca de dois terços dos casos podem se resolver completamente, inclusive sem consequências para seu status econômico quando os episódios são leves ou moderados (Kovacs et al., 1984). Dois terços dos pacientes com Transtorno Depressivo Maior apresentarão recorrências em algum momento de sua vida, com sintomas residuais de intensidade variável entre os episódios. As mulheres desenvolvem mais depressões recorrentes com episódios mais prolongados (Pajer, 1995). O maior risco de recorrência pode depender também de: histórico familiar, início precoce, sintomas melancólicos, distimia, idade avançada no episódio atual, persistência das alterações na polissonografia… (Frank et al., 1984).


Marcadores Biológicos

É sabido que o diagnóstico de depressão maior vai muito além do cumprimento dos critérios dos diferentes sistemas de classificação diagnóstica. Apenas clínicos experientes com ampla formação em psicopatologia e fenomenologia podem detectar casos que passam despercebidos por outros. A depressão pode ser acompanhada de queixas somáticas comuns (anorexia, fadiga, insônia, afecções gastrointestinais e queixas vagas de dor) que podem mascarar o quadro de base e levar ao subdiagnóstico. Existem estudos que indicam a existência de um nível subótimo de detecção (50% a 60% desses pacientes) da depressão na atenção primária (Eisenberg, 1992; Tiemens et al., 1996). A experiência e a capacidade de apreciar sintomas e sinais sutis não podem ser adquiridas por meio da utilização de escalas (mesmo aquelas direcionadas ao médico geral) ou exames de laboratório, mas estes podem melhorar o percentual de detecção na prática médica geral e na consulta especializada. Existem vários testes laboratoriais que permitem esclarecer o diagnóstico de depressão, mas que são pouco específicos e não permitem obter uma certeza significativa, razão pela qual costumam ser utilizados principalmente em pesquisa.

1. Teste de Supressão com Dexametasona (TSD):

Na depressão maior, há uma hipersecreção do hormônio liberador de corticotropina (CRH), diferentemente da doença de Cushing, o que leva a um aumento na liberação de ACTH, a um aumento do tamanho das suprarrenais e a uma maior liberação de cortisol.

O TSD é um estudo do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, que consiste na administração de 1 mg de Dexametasona oral na noite anterior (23h) à medição de cortisol que se efetua às 15h e 23h do dia seguinte. A medição de cortisol às 23h é a de maior sensibilidade, enquanto a medição às 15h é mais específica, mas os 3 horários encontrados na literatura para a coleta da amostra (7h, 15h e 23h) são similares em termos de eficiência diagnóstica (Thompson et al., 1992). Rush et al., em um estudo com 487 pacientes com transtorno unipolar e bipolar, conseguiram determinar que a medição dos níveis de cortisol às 16h e às 23h permite detectar 91% dos pacientes com resultados anormais nas 3 coletas, enquanto a medição às 8h só permite detectar 30% dos pacientes com TSD anormal (Rush et al., 1996). Considera-se anormal quando os valores de cortisol são maiores que 4 mcg/dL (TSD não supressor) (Rush et al., 1983). O TSD em pacientes deprimidos (tipo melancólico) é um dos testes mais documentados e é mencionado como um “marcador de estado”, e não de traço, uma vez que os valores tendem a se reverter com um tratamento adequado (Carroll, 1982). Permite observar os transtornos depressivos como um continuum de maior a menor severidade, já que é positivo em 95% dos pacientes com depressão psicótica, em 78% dos pacientes com depressão melancólica, em 48% dos pacientes com depressão maior sem melancolia e apenas em 14% daqueles com sintomas depressivos isolados (Nemeroff, 1995). Apresenta uma sensibilidade de 40-50% (67%-78% em depressão psicótica e transtorno bipolar misto) e uma especificidade de 90% em relação aos controles, mas diminui para 77% se comparado com sujeitos distímicos e para 52%-65% em pacientes com psicoses agudas e mania (Brown et al., 1979; Arana et al., 1985; Braddok, 1986; Nemeroff & Krishnan, 1993).

O TSD não é específico para depressão, foi documentado um achatamento nos níveis de cortisol com o TSD em outros transtornos como o TOC, transtorno de pânico, anorexia nervosa, demência, esquizofrenia, transtorno de personalidade limítrofe, transtorno esquizoafetivo, bulimia, abstinência alcoólica, mania, depressão pós-DCV, psicoses atípicas e outros transtornos sistêmicos não psiquiátricos (hepatopatias, diabetes descontrolada, infecções agudas, ICC. Até 3% a 6% dos sujeitos controles normais nesses estudos exibem um TSD não supressor e medicamentos como Fenitoína, barbitúricos e Carbamazepina podem dar falsos positivos (Carrol et al., 1976; Arana et al., 1985; Carrol, 1985; Green et al., 1995; Rush et al., 1996). Haskett et al. (1989) sugerem que uma taxa aumentada de não supressão com o TSD em pacientes não deprimidos recém-hospitalizados pode ser devido ao estresse. Eles se apoiam no fato de que a alteração desaparece após repetir o teste uma semana após a hospitalização.

Essa prova permite observar não só a influência da administração de Dexametasona nos níveis de cortisol, mas também nos de beta-endorfinas, os quais estão altamente correlacionados com os de cortisol (p = 0.0002), podendo ser mais sensíveis e específicos para realizar o diagnóstico de melancolia (Maes, 1990). Existem também relatos de medição de níveis de cortisol pós-TSD na saliva com taxas similares de resposta (Galard et al., 1991).

Quanto à validade da prova em diferentes idades, tem-se dito que crianças e adolescentes apresentam achados similares aos adultos, embora alguns autores encontrem taxas de não supressão de 50% nesses grupos (vs. 65% em adultos) (Casat et al., 1989). Por outro lado, Meyers et al., estudando pacientes idosos com depressão maior, encontraram que 60% dos sujeitos não foram supressores antes do tratamento com antidepressivos e apenas 17% depois do mesmo. Os resultados do TSD normalizaram-se em 75% dos não supressores iniciais (Meyers et al., 1993).

O TSD é também preditivo do risco de suicídio e da resposta ao tratamento. Pacientes supressores em um episódio tendem a ser supressores nos próximos. A não supressão persistente após o início de um tratamento prediz um prognóstico ruim tanto em adultos quanto em crianças (Greden et al., 1983; Weller et al., 1986; Ribiero et al., 1993). A não supressão persistente, no entanto, prediz também uma maior resposta aos antidepressivos (Preskorn et al., 1987) e descarta a possibilidade de resposta ao placebo (Ribiero et al., 1993). A prova tem pouco valor como rastreamento de pacientes deprimidos, mas é útil para clarificar alguns diagnósticos (Green et al., 1995), mas poderia ser de grande valor na clarificação do tipo de depressão (segundo critérios do RDC), já que exibe uma especificidade de 89,9% na detecção de episódios depressivos maiores de características endogenomórficas (Rush et al., 1996). Outros autores propuseram medir a resposta do hormônio do crescimento (GH) à Dexametasona como medida indireta de resposta aos antidepressivos; quanto maior o aumento na GH, maior a recuperação clínica (Thakore & Dinan, 1995).

A importância deste teste laboratorial poderia ser confirmada, ademais, pelo efeito antidepressivo que a administração de um breve curso de Dexametasona (4 mg/dia por 4 dias) demonstrou em 37% de 19 pacientes que participaram de um estudo comparativo com placebo, com o qual, por sua vez, só se obtiveram taxas de resposta em 6% de 18 pacientes (Arana et al., 1995).

2. Diminuição da Latência do REM (outras alterações do sono):

Recentes pesquisas encontraram alterações nos ritmos circadianos de temperatura, atividade e ciclo sono-vigília, regulados estreitamente pela liberação de hormônios hipotalâmicos em sujeitos deprimidos (Akiskal, 1995). A diminuição da latência do REM apresenta-se em 60% a 70% dos pacientes, constituindo-se em uma prova de maior sensibilidade que o TSD, a ponto de uma alteração nos padrões de sono poder predizer uma recaída em um paciente com transtorno depressivo maior (Ford & Camerow, 1989). O encurtamento na latência do REM é para < 45 minutos, enquanto em sujeitos normais é em média uns 90 minutos (quanto maior a depressão, maior o encurtamento). Em geral, entre 80% e 90% dos pacientes deprimidos experimentam algum tipo de transtorno do sono, com mais de 80% apresentando dificuldade para conciliar o sono e 70% dificuldade em permanecer dormindo ou com despertares muito precoces. Outros achados são: latência do sono prolongada (passando de 20 para 50 minutos em média), despertares frequentes, diminuição do sono NREM (etapas 3 e 4), aumento na atividade do REM (no número de movimentos oculares) com inversão da fase REM (maior durante a primeira metade do sono) (Ford & Camerow, 1989). Uma latência do REM diminuída associa-se com pouca resposta ao placebo e resposta positiva aos ADT (Coble et al., 1979).

3. Diminuição do 5-HIAA no LCR:

O ácido 5-hidroxi-indol-acético é o metabólito da serotonina, que também se mostra diminuído em pacientes com tentativa de suicídio e agressividade. Vários autores descobriram que os baixos níveis de 5-HIAA no LCR poderiam prever a resposta de pacientes deprimidos à Zimeldina, Clomipramina, Imipramina e Nortriptilina (Charney et al., 1995).

4. Teste de Estimulação com TRH:

É um marcador de traço (nem todos os pacientes retornam a valores normais após a melhora clínica) que pode ter um valor prognóstico e indicar quais pacientes precisarão da adição de T3. Deve-se avaliar previamente o risco de bipolaridade e os anticorpos tireoidianos (já que 8% dos pacientes deprimidos apresentam transtorno tireoidiano com diminuição do TSH).

Em 20% a 70% desses pacientes deprimidos, observa-se uma resposta diminuída ao TRH (hormônio liberador de tireotropina) (Asnis et al., 1981; Goodnick et al., 1989). O procedimento consiste em instalar uma linha I.V. pela manhã e medir o TSH basal; em seguida, o TRH é injetado e múltiplas medições de TSH são realizadas aos 30, 60 e 90 minutos. O teste tem uma sensibilidade de 89% e uma especificidade de 95%. No entanto, o achatamento dos níveis de TSH após a administração de TRH também foi relatado em pacientes com mania, anorexia nervosa, transtorno de personalidade limítrofe e alcoolismo. Tem também um valor prognóstico, segundo alguns autores, com poucas recorrências nos próximos seis meses em quase 93% dos casos quando os valores são maiores que 2 mU/mL, e com recorrências de até 83% quando são inferiores a esse valor (Green et al., 1995).

Epidemiologia

O transtorno depressivo maior se apresenta principalmente em maiores de 40 anos, com início entre os 25 anos (50%) e os 40 anos (um pouco mais cedo nas mulheres); em maiores de 60 anos, há menor proporção de primeiros episódios (10%) (Blazer, 1995).

A depressão é a causa mais frequente de consulta no sistema de atenção primária em saúde (Blacker & Clare, 1987). A probabilidade acumulada de um primeiro episódio de depressão até os 70 anos de idade foi de 27% em homens e 45% em mulheres em um estudo realizado na Suécia (The Lundby Study, 1982) (Rorsman et al., 1990). Nos EUA, um estudo urbano relatou que aproximadamente 6,8% da população tinha um transtorno depressivo significativo (4,3% depressão maior e 2,5% depressão menor) (Weissman & Myers, 1978). O estudo ECA encontrou uma porcentagem similar com 10 milhões de indivíduos padecendo do transtorno. Além disso, 6 milhões de pessoas (4% da população adulta) estão sofrendo de distimia. Esses 2 grupos diagnósticos totalizam 10,5% da população adulta nos EUA (Mendels, 1992). Esse mesmo estudo permitiu estabelecer taxas de prevalência mensal de 1,8% e de prevalência ao longo da vida de 4,9% para depressão maior (Regier et al., 1988). Um estudo mais recente realizado nos Estados Unidos revela cifras muito mais elevadas que as anteriores, com uma prevalência de 10% em qualquer ano da vida e de 17% em algum momento da vida (Kessler et al., 1994; Blazer et al., 1994). Cada geração sucessiva nascida após a Segunda Guerra Mundial tem taxas mais altas de depressão, o que pode ser devido a um sistema de diagnóstico e registro mais confiável e preciso, a um maior número de consultas ou à participação de fatores ambientais (como a violência e a pobreza) (Burke et al., 1991). No entanto, no estudo do ECA realizado entre 1980 e 1984 com 20 mil pacientes dos Estados Unidos, não se encontrou associação alguma entre o nível socioeconômico e a depressão maior (Robins et al., 1981).

Desde o relatório de Weissman & Klerman (1977), sabe-se que o transtorno é 2 vezes mais frequente em mulheres do que em homens em algum momento da vida (10-25% vs. 5-12%), aparentemente por fatores biológicos, tais como maiores níveis de MAO cerebral, equilíbrio tireoidiano precário e eventos que permitem o desequilíbrio hormonal, como o pós-parto, a fase lútea e a menopausa, o que não foi demonstrado (Akiskal, 1995). O risco de depressão pós-parto em mulheres com histórico prévio de depressão maior é de 25% e um estado de humor baixo prévio ao parto pode predizer um pobre desenvolvimento do período pós-parto. Essas pacientes poderiam se beneficiar da reintrodução de antidepressivos durante o terceiro trimestre ou durante o puerpério precoce, sem esperar o aparecimento de um novo episódio depressivo (Wisner & Wheeler, 1994). As taxas de prevalência de depressão em mulheres grávidas são próximas de 10% e, portanto, similares às mulheres não grávidas (O’Hara, 1986), o que descarta a noção de que a gravidez protege as mulheres de episódios depressivos, como afirmavam Brandt & Mackenzie (López-Ibor, 1992).

O transtorno depressivo maior pode apresentar-se associado a outros transtornos como: transtorno de pânico (31,4%) (Coryell, 1990; Maser, 1990), transtorno obsessivo-compulsivo (11,4%), drogodependência, anorexia nervosa, bulimia nervosa, transtornos de personalidade [42% dos pacientes] (borderline, obsessivo-compulsivo, dependente, histriônico)… Além disso, pode associar-se a condições médicas gerais crônicas: diabetes, infarto do miocárdio, carcinomas, DCV…

Apesar de a depressão maior ser o transtorno médico de maior prevalência a nível mundial e de poder ser eficazmente manejada com diferentes intervenções na maioria dos casos, o reconhecimento da mesma (especialmente por médicos não psiquiatras) e o investimento econômico dos governos para seu adequado controle e prevenção são mínimos comparados com outras entidades menos frequentes como a hipertensão arterial e menos tratáveis como o câncer e a AIDS.

Prognóstico

Quanto aos preditores de curso, resposta e gravidade da depressão maior, sabe-se que:

  1. os sintomas depressivos prévios, que inclusive não configuram uma entidade nosológica, predispõem ao primeiro episódio de transtorno depressivo maior em mais de 50% dos casos (Akiskal, 1995).
  2. Quanto maior o número de episódios, maior o risco de recaída e severidade (Post et al., 1986).
  3. Um episódio atual prolongado ou severo (principalmente em idosos) é muitas vezes acompanhado de refratariedade ao tratamento (Keitner et al., 1992). As taxas de mortalidade por causa do transtorno depressivo maior são muito maiores em indivíduos acima de 55 anos.
  4. Quanto menor o lapso desde o início do episódio até o início do tratamento, maiores as chances de recuperação (Keller et al., 1982a; 1982b). Igualmente, quanto menos mudanças forem necessárias no tratamento farmacológico inicial, maiores as chances de permanecer livre de recorrências.
  5. A comorbidade com TOC implica um pior prognóstico, mas diminui o risco de suicídio (López-Ibor, 1993).
  6. Um TSD (teste de supressão de Dexametasona) não supressor pós-tratamento reflete um alto risco de recaída e um alto risco de suicídio (Greden et al., 1983; Weller et al., 1986; Ribiero et al., 1993).
  7. A ausência de tratamento de manutenção aumenta o risco de recaída e recorrência (Keller et al., 1982a; 1982b).
  8. Coryell et al. encontraram, em um estudo prospectivo de 6 anos com parentes de pacientes com transtornos afetivos maiores, que os indivíduos que têm um episódio depressivo maior não tratado experimentam mais dificuldades psicossociais do que aqueles que não apresentam tais episódios (Coryell et al., 1995).
  9. Os transtornos de personalidade, a depressão dupla e um alto número de hospitalizações prévias contribuem para uma resposta inadequada aos tratamentos antidepressivos convencionais (Keitner et al., 1992).

Tratamento (Terapêutica)

Um episódio depressivo maior geralmente é manejado, em primeira instância, com um antidepressivo (episódios de pouca severidade podem se beneficiar de uma intervenção psicoterápica). Na fase de manutenção, os antidepressivos sozinhos ou associados à psicoterapia podem diminuir o risco de recorrências. Em caso de episódios refratários ao tratamento, a associação de antidepressivos com outros fármacos ou a terapia eletroconvulsiva (TEC) podem ser de grande utilidade.

1. Farmacológico:

Todos os antidepressivos são igualmente eficazes em geral, segundo diversos estudos. No entanto, ultimamente tem-se proposto que, em caso de depressões leves ou moderadas, os antidepressivos com poucos efeitos secundários, como os RIMA (Inibidores Reversíveis da Monoaminoxidase) ou os ISRS (Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina), deveriam ser propostos como fármacos de primeira escolha, pois alcançam taxas de efetividade no episódio agudo de até 80%, são melhor tolerados pelos pacientes e registram maiores taxas de adesão (Baldessarini, 1989). Há alguma evidência epidemiológica de que os ADT, administrados cronicamente, podem induzir aumentos em arritmias cardíacas e aumentar as taxas de mortalidade de pacientes com arritmias preexistentes (Glick et al., 1995). No entanto, em algumas ocasiões, a presença desses efeitos adversos pode ser útil, como em pacientes agitados ou insones, onde poderia ser preferível um antidepressivo sedativo (Tollefson, 1993).

O tempo necessário para observar os primeiros sinais de melhora é tão curto quanto uma semana com qualquer antidepressivo, mas para observar uma recuperação significativa do transtorno depressivo (pelo menos uma redução de 50% nos valores iniciais utilizando qualquer escala para depressão) são necessárias entre 3 e 4 semanas. A recuperação completa (pontuação inferior a 7 na escala de Hamilton) geralmente ocorre após 6 a 8 semanas. O tratamento deve ter uma duração não inferior a 6 meses em doses plenas, já que o maior risco de recorrência ocorre entre 4 e 6 meses após a recuperação sintomática inicial em pacientes com primeiro episódio (50% de risco para recaídas e recorrências) (Prien & Kupfer, 1986; Consensus Development Panel, 1988; Frank et al., 1990). A suspensão do tratamento pode ser indicada após 6 meses em pacientes com um primeiro episódio que tenham tido uma remissão completa da sintomatologia (Thase, 1992). Para prevenir as recorrências, o tratamento do episódio agudo deve ser iniciado precocemente, principalmente em pacientes com transtorno bipolar, distimia ou depressão maior prévia. Caso ocorra uma recorrência, a administração do antidepressivo que foi útil em episódios anteriores ou em familiares do paciente com o mesmo transtorno é o recomendado. Há bastante evidência de que existe um componente genético para a eficácia de um antidepressivo específico (Glick et al., 1995). No entanto, também foi observado que pacientes que responderam adequadamente a um antidepressivo e interrompem a medicação, responderão menos quando esta for reinstaurada em caso de recorrência (Post, 1992b).

Quando o tratamento tem uma duração aproximada de 1 ano, a taxa de recorrências é da ordem de 26% a 35% (vs. 59% com placebo) (Bielski & Friedel, 1976; Georgotas et al., 1989; Doogan & Caillard, 1992; Post, 1993). Quando a substituição para placebo foi feita durante o primeiro ano de tratamento em pacientes que vinham sendo manejados com Sertralina (Doogan & Caillard, 1992) e Fluoxetina (Montgomery et al., 1988), foram encontradas taxas de recorrência tão altas quanto 57%. Frank, e depois Kupfer, descobriram que com a administração de Imipramina por um período de 3 a 5 anos em doses plenas, a taxa de recaída foi de 20% a 30% vs. 70% com doses baixas de Imipramina e 80% com placebo (Frank et al., 1990, 1993; Kupfer et al., 1992). Pacientes com episódios depressivos prévios, que ocorreram em intervalos inferiores a dois anos e meio entre um e outro, são candidatos a receber uma profilaxia continuada de pelo menos 3 a 5 anos (Charney et al., 1995). Em um estudo naturalístico com 537 pacientes deprimidos (289 tratados com ADTs, 66 com IMAOs, 137 com ISRS e 45 sem medicação) com 5 anos de acompanhamento, demonstrou-se que a medicação (qualquer que seja o antidepressivo) é superior ao placebo para prevenir as recorrências (38% com medicação vs. 84% com placebo). No entanto, e devido a múltiplos fatores, as taxas de prevenção de recorrências com os antidepressivos declinam paulatinamente com os anos: 86% no primeiro, 61% no segundo e 38% aos 5 anos (Tomaszewska et al., 1997). Em geral, pode-se dizer que apenas 50% dos pacientes obterão uma recuperação total após um tratamento adequado, 30% uma recuperação parcial e 20% se cronificarão (Lee & Murray, 1988). Por outro lado, em níveis de atenção primária, o tratamento de pacientes com transtornos depressivos costuma ser inadequado, o que leva a que as taxas de resposta mencionadas sejam ainda menores na experiência clínica (além do observado em estudos farmacológicos controlados).

As depressões de longa duração, especialmente quando ocorreram múltiplas recorrências ou persistem sintomas subsindrômicos, são mais resistentes ao tratamento e requerem terapia de manutenção a longo prazo com antidepressivos em doses plenas (Cassano et al., 1983; Prien et al., 1984; Keller et al., 1984; 1986; Frank et al., 1993). A profilaxia permanente é utilizada em pacientes com 3 ou mais episódios em um período de 2 a 5 anos, com 2 ou mais se for maior de 40 anos e com apenas 1 episódio severo em maiores de 50 anos, usando a mesma dose que produziu a remissão do episódio agudo. São opcionais para profilaxia permanente critérios como história familiar de depressão unipolar ou TAB e o potencial suicida (Post, 1993). Pode-se tentar uma suspensão aos 5 anos, diminuindo lentamente (50% em 1 a 2 anos) se o paciente estiver assintomático. Caso ocorram flutuações de humor, reiniciar doses plenas por toda a vida (Goodwin & Jamison, 1990).

Pacientes com grande risco de suicídio, com transtornos médicos associados, ausência de família ou necessidade de TEC, devem ser hospitalizados inicialmente.

Post, baseado na importância dos eventos estressantes no aparecimento dos episódios iniciais de depressão no curso de um transtorno afetivo unipolar, propõe que os episódios precoces sejam manejados com ADT, enquanto os posteriores podem responder melhor aos IMAOs, aceitando a presunção de que os primeiros são mais eficazes em depressões severas (Post, 1992a). Swann et al. compararam a resposta à Desipramina (um ADT) e Fenelzina (um IMAO) em um estudo duplo-cego com 43 pacientes com depressão unipolar recorrente, e encontraram que os homens têm uma resposta ligeiramente maior com ambos os medicamentos do que as mulheres (p < 0.08), sem diferença entre eles (Swann et al., 1997). Outro estudo de Joyse et al. demonstrou que existe uma diferença no tratamento de manutenção entre um medicamento noradrenérgico como a Nortriptilina e um serotoninérgico como a Fluoxetina, favorecendo esta última, e que essa diferença foi observada especialmente com as mulheres. As mulheres parecem ter respostas algo diferentes aos antidepressivos, devido em parte a alterações farmacocinéticas como menor secreção de ácido gástrico, trânsito intestinal mais lento e maior gordura corporal que aumenta o volume de distribuição. Além disso, a progesterona e os estrogênios podem aumentar ou diminuir a atividade da MAO e de várias enzimas do citocromo P450, respectivamente, alterando a meia-vida dos medicamentos (Yonkers et al., 1992).

2. Terapia Combinada (Psicofármacos – Psicoterapia):

Em alguns casos, pode ser conveniente associar um processo psicoterapêutico baseado na terapia interpessoal (de Klerman) ou cognitiva, especialmente em pacientes com alto grau de severidade, ideação suicida, presença de delírios ou ausência de melhora. Segundo Appleton, a associação de tratamento farmacológico e psicoterapêutico previne o aparecimento de recaídas em depressões não melancólicas com conflitos psicossociais subjacentes, sem que nenhum dos dois interfira na ação do outro (Appleton & Davis, 1985). A psicoterapia interpessoal tem sido associada a um aumento significativo no tempo em que o paciente se encontra livre do episódio depressivo sem medicação (tempo de sobrevivência de quase 2 anos vs. 5 meses sem a assistência psicoterapêutica) (Frank et al., 1991; Reynolds et al., 1992).

Em muitos estudos, a terapia combinada foi superior à psicoterapia em 39%, e em outros, a terapia combinada foi superior à farmacológica em 40%. Nos 60% restantes, e tratando-se de depressões menores ambulatoriais, a psicofarmacologia e a psicoterapia são similares em eficácia (Evans et al., 1992). No estudo de Frank com pacientes unipolares e durante um período de três anos, foram comparados os resultados de Imipramina sozinha, Imipramina mais psicoterapia interpessoal, psicoterapia interpessoal sozinha, psicoterapia interpessoal mais placebo e placebo sozinho; os pacientes que receberam Imipramina sozinha ou Imipramina mais psicoterapia interpessoal mostraram uma melhora significativamente maior do que os que receberam outras modalidades de tratamento. Os autores concluem que a psicoterapia pode ser útil para reduzir os índices de recorrência (Frank et al., 1991). Em um estudo realizado pelo NIMH, a farmacoterapia se mostrou superior à psicoterapia no tratamento da depressão moderada a grave, sendo similar o resultado em depressões leves, mas mesmo neste último caso, a recuperação foi mais rápida com a farmacoterapia (Elkin et al., 1989). No estudo de Mintz, J. et al. com pacientes deprimidos e comprometimento laboral, a resposta com medicação foi superior ao placebo (p < 0.001) e à psicoterapia (p < 0.008) (Mintz et al., 1992). A terapia de resolução de problemas (6 sessões) também mostrou ser efetiva em tratamentos de curto prazo (12 semanas) quando comparada com Amitriptilina ou placebo em pacientes com depressão maior atendidos no sistema primário de saúde (Mynors-Wallis et al., 1995).

Diversos estudos mostraram que os antidepressivos produzem respostas mais significativas que outras abordagens em depressões melancólicas, especialmente se estiverem presentes o retardo psicomotor, a anedonia e a perda de interesse (Paykel, 1972; Simpson et al., 1976); as alterações no sono ou no apetite não parecem ser tão preditivas de resposta com os antidepressivos como se suspeitava antes (Joyce & Paykel, 1989). Nas depressões não melancólicas, os resultados de diversos estudos são variáveis, com menores respostas em distimia e depressões secundárias ou associadas a outros transtornos psiquiátricos (Keller et al., 1982a; 1982b; 1983; 1984). Quando associadas a transtornos de personalidade, as depressões respondem pouco aos antidepressivos tricíclicos; neste caso, preferem-se os IMAOs ou os ISRS (Bielski & Friedel, 1976; Hirschfeld et al., 1986). Por outro lado, a presença de sintomas ansiosos concomitantes tem determinado tradicionalmente a escolha de um antidepressivo “sedativo”; no entanto, há pouco suporte para este postulado. Uma metanálise na qual se compara a Fluoxetina com ADT ou placebo em 3183 pacientes com depressão maior, mostra uma superioridade na resposta dos pacientes com depressão ansiosa e não ansiosa com a Fluoxetina vs. placebo (p < 0.05) e uma resposta equiparável à dos ADT (Tollefson et al., 1994).


3. Manejo da Depressão Refratária ao Tratamento:

Cerca de 10% a 30% dos casos são refratários às terapêuticas antidepressivas convencionais (ADTs) e entre 60% e 75% não alcançarão a recuperação completa (Akiskal, 1982; Kocsis et al., 1995). Adicionalmente, 20% a 44% dos pacientes tratados com ISRS terão recorrências (Cain, 1992). Para falar de uma depressão refratária, é necessário (Nolen et al., 1993):

1º) tratamento prolongado sem resultado (próximo a um ano). 2º) tratamento que não modifica o curso. 3º) falta de resposta a antidepressivos em doses corretas espontâneas (equivalente a 150 mg/dia de Imipramina administrados durante 4 a 6 semanas) ou TEC com tendência à recaída.

Amsterdam et al. encontraram em seu estudo com 149 pacientes de uma unidade para o diagnóstico da depressão da Universidade da Pensilvânia com diagnóstico atual de transtorno depressivo maior segundo DSM-III-R, que aqueles que eram refratários ao tratamento apresentavam mais comumente um diagnóstico de depressão unipolar (73% vs. 38% dos não refratários) (p = 0.002), um episódio crônico de mais de 2 anos de duração (51% vs. 3%) (p < 0.0001), uma idade mais tardia de início da doença (p < 0.0001), poucos episódios prévios (p < 0.0001) e poucos tratamentos farmacológicos prévios (p = 0.04). Surpreendentemente, o grupo de refratários ao tratamento era formado por sujeitos mais jovens (38 +/- 10 anos vs. 47 +/- 9 anos) (p = 0.004) (Amsterdam et al., 1994). Isso contrasta com outros estudos nos quais os fatores de risco para recorrências faziam referência à idade mais avançada, ao sexo feminino e ao maior número e gravidade de episódios prévios (Post et al., 1986; Klerman & Weissman, 1989; Pajer, 1995). Outros fatores que influenciam são as diferenças no metabolismo das drogas, a eficácia seletiva de alguns fármacos para subtipos particulares de depressão, a aceitação da medicação pelo paciente e uma dose e duração adequadas do tratamento (Nierenberg & Amsterdam, 1990; Nemeroff, 1991). Com relação ao último ponto, uma dose apropriada é considerada aquela equivalente a 200 a 300 mg/dia de Imipramina ou 90 mg/dia de Fenelzina por pelo menos 6 a 9 semanas para a recuperação de sintomas depressivos (Quitkin, 1985; Georgotas et al., 1987) e por até 5 anos para prevenção de episódios futuros em pacientes com múltiplos episódios depressivos prévios (Kupfer et al., 1992).

A refratariedade deve ser diferenciada de situações que não permitem a melhora, como: não cumprimento, erro diagnóstico (transtorno de personalidade borderline ou depressão orgânica, por exemplo), uso de medicamentos que interagem com os antidepressivos (hipnosedativos, cigarro, anticonvulsivantes, contraceptivos orais), falta de resposta a tratamentos alternativos aos ADT como heterocíclicos, IMAO’s, ISRS e doses e duração do tratamento insuficientes, como demonstra um estudo em que pacientes considerados refratários após 8 semanas de tratamento com 20 mg/dia de Fluoxetina, melhoraram mais significativamente com o aumento da dose para 40-60 mg/dia, do que com a adição de Lítio ou Desipramina (Fava et al., 1994). A apresentação de aparentes “resistências” ao tratamento subjaz usualmente em planos terapêuticos inadequados devido a doses inadequadas, à falta de cumprimento do paciente, à duração inadequada do tratamento e à variabilidade farmacocinética que se traduz em níveis plasmáticos inadequados (Keller et al., 1982c). Quando se demonstrou uma verdadeira refratariedade ao tratamento, utilizam-se as seguintes estratégias:

  • Antidepressivos por via intravenosa, como Dibenzepina, Clomipramina ou Maprotilina, alcançando-se até 61% de remissões; no caso da Clomipramina, dois estudos demonstram a efetividade da apresentação parenteral na diminuição dos valores da escala de Hamilton, iniciando com um bolo de até 200 mg I.V. e um início do efeito antidepressivo após cinco dias em 35% dos pacientes (Pollock et al., 1986; 1989).
  • O Lítio pode ser adicionado a ADT (de Montigny et al., 1981; 1983), a IMAOs (Tranilcipromina) (Price et al., 1985) ou a Fluoxetina (ISRS) (Pope et al., 1988; Katona et al., 1995; Bauer et al., 1996) ou dado como tratamento único, com níveis séricos entre 0.6 – 0.8 mEq/Lt. (até 48% de bons resultados sem maior aumento de efeitos secundários) (Joffe et al., 1993; Stein & Bernadt, 1993; Bauer et al., 1996), possivelmente pelo aumento na transmissão serotoninérgica que o mesmo exerceria (de Montigny et al., 1993), com uma latência de resposta de até 3 semanas (Fava et al., 1994).
  • Os antidepressivos podem ser associados a estimulantes do SNC, como as anfetaminas ou o Metilfenidato; os pacientes que melhor respondem a tal associação são os que sofrem de distimia, depressões unipolares crônicas, depressão secundária (AIDS, por exemplo) e pacientes geriátricos depressivos, possivelmente pelo aumento de dopamina no espaço sináptico (Wharton et al., 1971; Flemenbaum, 1971; Drimmer et al., 1983; Feighner et al., 1985; Vallejo, J., 1993; Klein, 1995).
  • Também pode ser útil adicionar T3 (20 a 50 mcg/dia) aos ADT, pois esse hormônio aumenta a sensibilidade do receptor adrenérgico e pode levar à resposta em quase dois terços dos pacientes refratários (Prange et al., 1969; Wheatley, 1972; Schwartz et al., 1984; Joffe et al., 1993).
  • Foi sugerido que a mudança de um antidepressivo por outro antidepressivo com um perfil diferente do utilizado no início (por exemplo, Fluoxetina por Desipramina ou vice-versa) é eficaz em alguns pacientes com depressão refratária, mas a validade dessa ação foi questionada (Nolen et al., 1988; Amsterdam et al., 1994). Outra estratégia é utilizar IMAOs. Swann et al. encontraram, em um estudo duplo-cego com 43 pacientes com depressão unipolar recorrente, que altos valores na HAM-D ou no número de hospitalizações prévias associam-se a uma resposta geral pobre, mas que a resposta com Desipramina é mais pobre quando comparada com a Fenelzina (Swann et al., 1997). Sunderland et al. encontraram bons resultados comparados com o placebo ao utilizar doses altas de Selegilina (60 mg/dia) em pacientes idosos refratários a outros tratamentos (Sunderland et al., 1994).
  • Uma estratégia adicional é a combinação de antidepressivos tricíclicos, como a Amitriptilina, com um RIMA ou um IMAO, como a Fenelzina. Também foi proposta a associação de Fluoxetina com antidepressivos tricíclicos (Weilburg et al., 1989) ou heterocíclicos em baixas doses (Zajecka et al., 1995).
  • Um tratamento alternativo é a adição de antipsicóticos (Reserpina) ou Clonidina, que dessensibilizam receptores, Carbamazepina, ferro (essencial na síntese de monoaminas) ou estrogênios (Vallejo, 1993).
  • As dietas ricas em carboidratos aumentam a liberação do Triptofano do músculo. Também são utilizadas a terapia luminosa e a privação do sono (diminuição do REM) (Vallejo, 1993). Um estudo que utilizou PET demonstrou que a privação do sono tem claros efeitos funcionais em regiões anatômicas específicas que explicam seu efeito antidepressivo (diminuição da HAM-D): tálamo, córtex frontal medial e giro frontal superior (Dube et al., 1996).
  • A Terapia Eletroconvulsiva (TEC) é também uma excelente alternativa para as depressões refratárias, embora seja pouco efetiva na depressão atípica (Charney et al., 1995).
  • A psicocirurgia, leucotomia límbica, demonstrou utilidade em pacientes com depressões refratárias com marcada incapacidade e risco suicida, encontrando-se taxas relatadas de melhora de até 78% dos pacientes submetidos à intervenção (Cosgrove & Rauch, 1995).

Classificação

Alguns pacientes com transtorno depressivo maior exibem características adicionais às expostas previamente, o que lhes confere uma resposta ao tratamento e um prognóstico diferente:

1. Transtorno Depressivo Maior com Características Melancólicas

A Associação Psiquiátrica Americana manteve na classificação do DSM-IV o diagnóstico de transtorno depressivo maior com características melancólicas. Para esse diagnóstico, são necessários os critérios estabelecidos para o transtorno depressivo maior e características adicionais que fazem referência a uma maior severidade e endogeneidade (perda de reatividade a estímulos antes chamativos). O conceito de endógeno e reativo foi amplamente utilizado até o final dos anos 70 e buscava-se diferenciar quadros depressivos com pouca participação de aspectos psicossociais, alteração marcada de provas biológicas e maior resposta aos antidepressivos (depressão endógena), daqueles que se apresentavam em resposta a situações psicossociais claramente determinadas, com poucas alterações em provas biológicas e de maior resposta às psicoterapias (depressão reativa). Outros sintomas que caracterizam esse subtipo de depressão maior são: piora matutina, insônia precoce (pelo menos 2 horas antes do usual), marcado retardo ou agitação psicomotora, anorexia significativa ou diminuição de peso (mais de 5% do peso corporal em 1 mês) e culpa excessiva ou inapropriada.

Em um grupo de pacientes com depressão melancólica sem tratamento, observou-se uma concentração plasmática de serotonina muito mais baixa do que a dos pacientes deprimidos sem melancolia (p < 0.008), e uma tendência à diminuição nas concentrações de 5-HIAA no plasma, embora não significativa. Essa alteração não estava relacionada com a severidade do transtorno depressivo. Por outro lado, a concentração de serotonina no nível plaquetário foi encontrada elevada nesses pacientes, possivelmente por um aumento no número de transportadores de serotonina ou uma maior atividade dos mesmos (Pérez et al., 1998). Essa hipótese contradiz o observado em pacientes deprimidos não melancólicos, onde foi descrita uma diminuição no número e função dos transportadores de serotonina plaquetários (Nemeroff et al., 1994). Uma proposta alternativa, que não explica o aumento na serotonina plaquetária, refere-se a uma diminuição na atividade da triptofano-hidroxilase, o que parece depender da existência de polimorfismos da enzima (cujo gene se encontra no cromossomo 11) (Nielsen et al., 1994). A diminuição da atividade da triptofano hidroxilase também se correlaciona com baixos níveis de 5-HIAA no LCR tanto em pacientes suicidas quanto em deprimidos melancólicos (Asberg et al., 1984; Nielsen et al., 1994). Os pacientes com melancolia respondem bem aos antidepressivos, mas pouco aos tratamentos psicossociais sozinhos (54% vs. 23%) (Paselow et al., 1992). O retardo psicomotor, a falta de reatividade afetiva e a anedonia são consideradas características que predizem uma boa resposta à TEC ou aos antidepressivos (Rush & Weissenburger, 1994). Altas concentrações de serotonina intraplaquetária (> 800 ng/mL), por outro lado, predizem em 92% dos casos uma resposta pobre após 6 semanas de tratamento com antidepressivos serotoninérgicos (apenas 17% de resposta nos que receberam Clomipramina, Fluvoxamina ou Tianeptina), mas não com medicamentos inibidores da monoaminoxidase (Fenelzina e Brofaromina) (p < 0.004). O aumento nas doses dos antidepressivos serotoninérgicos permitiu a recuperação dos pacientes que não haviam melhorado após a sexta semana (Pérez et al., 1998).

2. Transtorno Depressivo Maior Sazonal

Caracteriza-se por episódios depressivos que começam no outono ou inverno e remitem na primavera. Com metabolismo anormal da melatonina por pouca exposição solar e com ausência de estressores sociais e psicológicos. Mínimo durante os últimos 2 anos, sem episódios NÃO sazonais ocorrendo durante esse período. Adicionalmente, os episódios sazonais superam em número maior de 3:1 os episódios NÃO sazonais durante a vida do indivíduo (Dittmann et al., 1994). Obviamente, a prevalência é maior quanto mais extrema for a latitude.

Os episódios possuem critérios para depressão maior ou depressão atípica (65-85%) que se caracteriza por hiperfagia, hipersonia, anergia, ganho de peso, apetência por carboidratos e lentidão psicomotora (Michalon, 1993). São frequentes os antecedentes familiares de alcoolismo e depressão maior. Podem apresentar-se também como parte de um transtorno bipolar II, mais do que bipolar I.

Foi postulado, a partir de estudos fisiológicos e farmacológicos, que a alteração da secreção de melatonina é a causa principal do aparecimento desse transtorno. A melatonina em humanos é vital para a configuração do ciclo sono-vigília e a liberação hormonal que dele se desprende (ritmos circadianos); é produzida na glândula pineal a partir da transferência de um grupo metílico ao grupo OH do anel indólico da N-acetilserotonina pela ação da enzima hidroxi-indol-O-metiltransferase (HIOMT). A HIOMT tem um ritmo circadiano com níveis máximos (90 micromoles) às 12 horas solares e mínimos (10 micromoles) às 24 horas na glândula pineal. A estimulação actínica (pela luz) diminui sua síntese, enquanto a escuridão a promove (Thalén et al., 1995a). A melatonina também pode ser afetada por fármacos que alteram sua produção, como b-bloqueadores e benzodiazepínicos (Carney et al., 1983). Schlager realizou um estudo com Propranolol 60 mg/dia administrado nas horas da manhã a 33 pacientes com depressão invernal, encontrando que 73% mostravam remissão do quadro clínico e permaneciam livres de sintomas durante a fase de manutenção, comparados com 23 pacientes manejados com placebo. Esses achados, segundo o autor, são consistentes com a hipótese de que a duração da secreção de melatonina noturna desempenha um papel importante durante as estações em humanos (Schlager, 1994). Alguns estudos levaram ao conhecimento do papel da N-acetil-5-metoxitriptamina, derivada da serotonina e encarregada de sincronizar a atividade biológica do meio interno com o fotoperíodo (Carney et al., 1983).

O tratamento consiste em terapia luminosa (sol) por 20 minutos às 8h ou luz artificial na altura dos olhos (10 mil lux) por 35 a 40 minutos ao dia com resposta aos 7 dias superior à obtida com placebo ou por pacientes com transtorno depressivo não sazonal e próxima a 57-80% (Blehar & Rosenthal, 1989; Thalén et al., 1995b; Meesters et al., 1995). A administração matutina da terapia luminosa adianta a fase da melatonina, enquanto a vespertina a atrasa, mas isso não tem importância do ponto de vista terapêutico, uma vez que a resposta é similar em qualquer hora de administração (Thalén et al., 1995a; Meesters et al., 1995). Os efeitos secundários mais comuns da terapia luminosa são: cefaleia (19%), cansaço ocular (17%) e sufocamento (14%) (Levitt et al., 1993). Alguns antidepressivos com ação serotoninérgica, como os IMAOs ou os ISRS, mostraram níveis variáveis de efetividade (O’Rourke et al., 1989; Moscovitch et al., 1995).

3. Transtorno Depressivo Maior com Características Catatônicas

Os transtornos afetivos maiores são provavelmente a causa mais comum de catatonia aguda, e ao contrário do que se sustentava na primeira metade deste século, a esquizofrenia é uma causa rara (Abrams & Taylor, 1976; Hyman, 1988). Morrison encontrou que, de uma grande amostra de pacientes catatônicos retirada dos registros de um hospital, 16% padeciam de um transtorno afetivo, com recuperações no ano de acompanhamento de até 40% sem nenhum tratamento. Muitos outros relatos confirmam a não especificidade dos sintomas catatônicos; Karl Ludwig Kahlbaum em sua monografia Die Katatonie (1874) dizia que na maioria dos casos a doença (catatonia) se manifestava inicialmente com um quadro clínico de melancolia facilmente reconhecível. Kraepelin em seu livro Dementia praecox and paraphrenia observou que os fenômenos catatônicos se apresentam em diferentes condições e, portanto, não constituem uma entidade independente; em 1919 indicava que 47% dos ataques catatônicos começavam com uma fase depressiva, sendo melhor a recuperação neste tipo de pacientes com taxas de até 33%. Para Bleuler, “como regra, os sintomas catatônicos se misturam com as condições maníacas e melancólicas, em algumas instâncias a tal grau que os sintomas catatônicos dominam o quadro clínico e um pode falar de catatonia maníaca ou melancólica” (Abrams & Taylor, 1976).

Partindo da presença de sinais motores como mutismo, estereotipia, posturas, catalepsia, obediência automática, negativismo, ecolalia/ecopraxia ou estupor, Abrams & Taylor estudaram 56 pacientes durante 14 meses, encontrando que apenas 7% satisfaziam os critérios do RDC (Research Diagnostic Criteria) para esquizofrenia, enquanto dois terços apresentavam um transtorno afetivo (62% mania e 9% depressão endógena). Os 22% restantes tinham etiologia orgânica como causa da catatonia (epilepsia, psicose tóxica, encefalite, degeneração alcoólica e psicose induzida por drogas). Adicionalmente, a resposta ao tratamento não teve relação direta com o número de sinais motores encontrados em cada paciente, que para os pacientes com transtornos afetivos foi de 3,7 características catatônicas em média (Abrams & Taylor, 1976).

O tratamento mais efetivo para a catatonia devida a transtornos afetivos é a TEC; no entanto, reserva-se para pacientes em risco de desidratação ou morte, que não aceitem a via oral ou que não respondam a outros tratamentos com antidepressivos. Tratamentos alternativos (dirigidos especificamente à alteração motora) podem ser oferecidos com antipsicóticos não sedativos, como o Haloperidol, em doses iniciais de 5 mg a cada 12 horas V.O. ou I.M. ou Perfenazina, 16 mg duas vezes ao dia (Gelenberg & Mendel, 1977; Abrams & Taylor, 1977; Hyman, 1988).

4. Transtorno Depressivo Maior com Características Atípicas

Caracteriza-se pela presença de sintomas atípicos que não são usualmente encontrados na maioria dos pacientes com transtorno depressivo maior: remissão temporal em resposta a certos estímulos (reatividade do humor), insônia de conciliação, hipersonia, piora vespertina, aumento do apetite e peso, aumento da libido, ansiedade associada, labilidade afetiva, disforia, marcada adinamia, hipersensibilidade à rejeição e início precoce (jovens)… (Davidson et al., 1982; Liebowitz et al., 1988). A alteração do sono devido à insônia de conciliação leva à irritabilidade, hipersonolência e fadiga diurna.

Tem uma prevalência de cerca de 0,7% (é o subtipo mais comum de depressão maior em pacientes ambulatoriais), possivelmente mais comum em mulheres [75%], mas aparentemente sem diferenças na raça, estado civil ou nível socioeconômico (Horwart et al., 1992). Os sujeitos apresentam uma idade de início do quadro mais precoce, com episódios caracterizados por sua curta duração, maior recorrência, mais angústia associada, mais comorbidade e mais retardo psicomotor. Associa-se a maiores taxas de abuso ou dependência de substâncias psicoativas e transtornos por somatização em comparação com a depressão maior sem traços atípicos. Também se associa a transtornos de personalidade evitativa, passivo-agressiva e obsessivo-compulsiva, a transtornos de ansiedade como a fobia social e ao transtorno bipolar II e III (Abrams & Taylor, 1980; Robertson et al., 1996).

Com relação ao tratamento, os medicamentos de primeira escolha são os IMAOs (Fenelzina) ou a Moclobemida, os quais se mostraram superiores aos ADTs (Liebowitz et al., 1984; 1988; Quitkin et al., 1991; CAD, 1993; Lonnqvist et al., 1994). A Fluoxetina ou outros ISRS poderiam ser tão úteis quanto os IMAOs, mas faltam estudos confirmatórios (Liebowitz et al., 1988; Quitkin et al., 1990; Pande et al., 1996).

5. Depressão Geriátrica

Apresenta-se 4 vezes mais em relação à população geral, com prevalências de 14,6% em mulheres e 6,8% em homens (27% no total) (Blazer, 1987). Por outro lado, a porcentagem de suicídios é 15 vezes maior em maiores de 65 anos (Lehman, 1980) e os pacientes geralmente se cronificam. O início tardio do primeiro episódio depressivo é o preditor mais estreito de cronicidade; os transtornos neurológicos ou médicos latentes contribuem para as baixas taxas de recuperação observadas na depressão geriátrica (Alexopoulos et al., 1996). Isso se deve principalmente à disponibilidade funcional diminuída dos neurotransmissores e às perdas psicossociais próprias da idade, como perda do cônjuge e amigos, trabalho, status social e capacidades físicas e mentais (Dewey et al., 1993). No entanto, outro grupo de pesquisadores encontra que há muito pouca relação entre o suporte social e a recuperação e sugerem que a depressão geriátrica é uma entidade autônoma e de menor resposta aos fatores psicossociais (Alexopoulos et al., 1996).

O diagnóstico pode apresentar certo grau de dificuldade, já que as mudanças de humor e a disforia são menos frequentes do que a anergia, a anedonia, a perda de apetite e as dificuldades no sono. Os transtornos cognitivos ou de memória podem ser marcados e levar ao diagnóstico errado de demência. Um quadro depressivo frequentemente se manifesta como um aparente comprometimento global das funções intelectuais, como elaboração verbal, acesso à informação aprendida e uso das estratégias de aprendizado, por comprometimento de estruturas subcorticais moduladoras e estruturas corticais pré-frontais (pseudodemência depressiva). A linguagem pausada, a lentidão na marcha, o achatamento do afeto e a diminuição do interesse que envolve atividades pessoais e sociais na ausência de disforia, apontam mais para um quadro demencial em suas primeiras etapas (Tollefson & Holman, 1993). 43% dos idosos deprimidos que apresentam sintomas demenciais reversíveis em seu primeiro episódio depressivo têm 4,7 vezes mais chances de desenvolver uma demência permanente. O início tardio, a severidade, o grau de retardo psicomotor e a presença de sintomas psicóticos associados a sintomas demenciais costumam progredir para um quadro de demência irreversível (Alexopoulos et al., 1996) [TABLA 1].

Apesar do exposto, a depressão pode acompanhar a demência; 27,1% dos pacientes com Alzheimer podem apresentar depressão, especialmente nos períodos iniciais (Cummings, 1990). Na doença de Alzheimer, o sintoma mais comum de depressão é o choro espontâneo, acompanhado de transtornos do sono, ansiedade, desconfiança e agitação.

Com relação ao tratamento, é imprescindível levar em conta que no paciente geriátrico ocorrem mudanças fisiológicas que alteram o perfil das drogas, como diminuição do metabolismo hepático e do clearance renal, aumento da proporção de gordura com risco de acumulação de substâncias lipofílicas, diminuição das proteínas com aumento da porção livre da droga, diminuição da absorção intestinal e do esvaziamento gástrico (Finch & Katona, 1993).

O uso de antidepressivos tricíclicos como a Desipramina ou a Nortriptilina (com níveis séricos de 80-120 ng/mL) dão resultados tão bons quanto os antidepressivos heterocíclicos, os ISRS (especialmente os de vida média curta como a Sertralina), a Moclobemida (Nair et al., 1995) ou o Bupropiona e inclusive a terapia eletroconvulsiva. Outros ADT, os desmetilados, apresentam grande quantidade de efeitos secundários e riscos como o delirium (1,53% com Amitriptilina), hipotensão ortostática, transtornos de memória, arritmias e convulsões e por isso são relativamente contraindicados neste grupo de pacientes. Em alguns casos, pode-se precisar unicamente de medidas de apoio ou psicoterapia interpessoal (Reynolds et al., 1992; Stoudemire, 1993). Altas doses de Selegilina parecem ser um tratamento efetivo na depressão geriátrica resistente a outros tratamentos e na que acompanha a doença de Parkinson, embora perdendo sua seletividade sobre a MAO-B (Sunderland et al., 1994).

O tratamento com antidepressivos deveria ser administrado por pelo menos 2 anos, senão indefinidamente. O prognóstico a longo prazo do tratamento da depressão geriátrica é geralmente favorável (melhora em até 83,7%), mas o risco de suicídio e recorrência (> 30% no ano de tratamento), especialmente se há uma história de doenças médicas concomitantes, antecedentes de infarto agudo do miocárdio ou de depressões severas (NIH, 1992; Old age depression group, 1993; Alexopoulos et al., 1996).


Outros Transtornos Depressivos

Transtorno Distímico

Transtorno depressivo menos severo que a depressão maior quanto à intensidade dos sintomas, mas mais persistente no tempo (mais de 2 anos). É uma depressão crônica de início precoce (adolescência) e insidioso, com sintomas que se apresentam de forma episódica, separados por períodos de eutimia (bem-estar) de poucos dias. Além do afeto depressivo, o paciente experimenta outros sintomas como alterações do sono, fadiga, perda da autoestima, transtornos da concentração e sentimentos de desaprovação. Sintomas como o retardo psicomotor e as alterações no apetite e na libido, próprios do transtorno depressivo maior, não são frequentes. Apesar de sua menor severidade, os pacientes recorrem em maior proporção à utilização dos serviços médicos, inclusive quando comparado com outras patologias como H.T.A., diabetes, doença coronária, artrite, lombalgias, doenças pulmonares ou transtornos gastrointestinais (Well et al., 1989). Os sintomas costumam ser o principal motivo de consulta, mais do que a depressão como tal: fraqueza, mal-estar, letargia, fadiga, transtornos de concentração, diminuição da autoestima, sentimentos de desesperança.

Prevalência: 3,1% (Weissman et al., 1988b), com diminuição em maiores de 65 anos: 1-1,5%; o estudo ECA mostrou taxas de prevalência a um mês e ao longo da vida de 3,3% (Regier et al., 1988). É mais comum em mulheres jovens de maior nível socioeconômico com estresse crônico desencadeado por perdas agudas (3:1). Embora a idade de aparecimento (ou melhor, de diagnóstico) tenha sido determinada entre 20 e 30 anos de idade, a maioria dos autores afirma que esse transtorno faz sua irrupção na infância, mas é pouco diagnosticado. Inclusive, o DSM-IV faz referência à distimia em crianças, a qual se caracteriza por afeto irritável durante no mínimo 1 ano e a associação a transtornos de atenção, conduta, aprendizado, R.M. e abuso sexual. Esse transtorno no adolescente (expresso como irritabilidade maior de 1 ano) pode interferir em sua adaptação social e culminar em um transtorno depressivo maior, com um risco 5,5 vezes maior que aqueles que não padecem de distimia. Além disso, pode associar-se ao abuso de drogas (29,8%), transtornos de personalidade (limítrofe, histriônica, narcisista, evitativa e dependente) (51%), depressão maior (38,9%) e transtornos de ansiedade (46,2%) (Weissman et al., 1988b; American Psychiatric Association, 1994). A associação a um transtorno depressivo maior é denominada depressão dupla, considerada uma comorbidade de alto risco suicida, maior utilização de serviços de hospitalização e pobre resposta ao tratamento (Keller et al., 1983; 1992). 60% dos pacientes apresentam episódios de depressão maior breve de forma recorrente e 12% a expressam como manifestação única (pura), especialmente quando é de início tardio (Finlanson, 1989).

Não foi possível determinar se é um transtorno funcional ou orgânico, mas encontram-se antecedentes familiares, mudanças no EEG durante o sono (aumento na densidade do REM, diminuição da latência do REM, diminuição do sono de ondas lentas e alteração na continuidade do sono), alterações do eixo hipotálamo-hipofisário (TRH-TSH) e mudanças no ritmo circadiano que se correlacionam com os achados na depressão maior (Ariaga et al., 1990; Howland & Thase, 1991; Rihmer & Szadoczky, 1993; López-Ibor et al., 1994).

Antes de sua inclusão nas diversas classificações, as depressões crônicas de início insidioso costumavam ser consideradas como transtornos de personalidade ou neuroses e não eram tratadas farmacologicamente. O DSM II (1968) a denominava depressão neurótica (reativa) e a adscrivia ao transtorno de personalidade ciclotímica, recomendando-se, portanto, um manejo psicoterapêutico (Freeman, 1994). No entanto, os fármacos ativos demonstraram ser superiores ao placebo (2 a 3,75 vezes) em todos os ensaios clínicos realizados desde 1985, especialmente com Ipsapirona (antagonista 5-HT2), Imipramina, Desipramina, Moclobemida, Amisulprida e Fluoxetina (Versiani et al., 1992; Kocsis, 1988, 1993; Hellerstein et al., 1993; Akiskal, 1993; Lapierre, 1994; Friedman et al., 1995). Tal resposta ao tratamento farmacológico pode ser difícil (51% obtêm uma resposta pobre ou nula ao mesmo), mas quando se faz presente, costuma ser adequada e recomenda-se utilizá-lo por toda a vida. A Moclobemida é recomendada em uma dose de 300-750 mg/dia (10 mg/kg/dia) e é igualmente útil na depressão dupla (Lecubrier, 1992; Versiani et al., 1992). A psicoterapia cognitiva não previne as recorrências e deve ser acompanhada da administração de antidepressivos (López-Ibor et al., 1994).

Transtorno Disfórico Pré-Menstrual

Consiste em sintomas depressivos, somáticos e comportamentais presentes na maioria dos ciclos menstruais, ocorrendo na última semana da fase lútea e remitindo poucos dias após o término da menstruação. Não constituem um agravamento de transtorno depressivo maior, transtorno de pânico, transtorno distímico ou qualquer transtorno de personalidade. O Transtorno Disfórico Pré-Menstrual (TDPM) é uma manifestação de maior severidade da síndrome pré-menstrual, com sintomas afetivos predominando sobre os sintomas somáticos. Os sintomas podem ser tão severos que alteram o desempenho escolar ou ocupacional. Foram mencionadas taxas de prevalência variáveis: 2% a 9%. O início costuma ser antes dos 30 anos, tendendo a piorar com a idade ou com o número de gestações, mas resolvendo-se espontaneamente após os 45 anos ou a menopausa. Para seu diagnóstico, o DSM-IV propôs vários critérios de pesquisa que incluem a presença de um afeto depressivo, ansioso e/ou lábil, irritabilidade, diminuição do interesse, letargia, hiperfagia (com marcada apetência por carboidratos), alterações do sono, sensação de perda de controle e diversos sintomas físicos (American Psychiatric Association, 1994). Apesar de tudo, não existem estudos conclusivos que permitam considerá-lo como um transtorno diferente, já que as mulheres que apresentam esse quadro costumam apresentar também altas taxas de transtorno depressivo maior ao longo de sua vida. Inclusive, vários fatores biológicos de tipo hormonal (cortisol, por exemplo) que se encontram alterados em pacientes com transtorno depressivo maior também se encontram alterados no transtorno disfórico pré-menstrual (Halbreich & Endicott, 1985). Por outro lado, deve-se levar em conta que 75% a 80% das mulheres relatam sintomas afetivos isolados durante essa fase. Outros autores, no entanto, sustentam que o TDPM é uma entidade clínica totalmente diferente do TDM e baseiam-se em estudos genéticos, de níveis de neurotransmissores, na resposta mais rápida aos ISRS e na resolução espontânea da sintomatologia com a menstruação, a ooforectomia ou a menopausa.

O TDPM é considerado um resultado das interações entre as hormonas ováricas e os neurotransmissores (5-HT e GABA). Os estrogénios e a progesterona podem fazer flutuar os níveis de 5-HT e a progesterona pode alterar a conformação e função dos receptores GABAérgicos. A recaptação de serotonina em plaquetas está elevada na fase lútea precoce, mas diminuída na fase lútea tardia. Outras alterações encontradas incluem um aumento dos níveis de prolactina (que não mudam após a administração de agonistas serotoninérgicos como triptofano ou buspirona) e diminuição da secreção noturna de melatonina (principalmente na fase lútea) (Gitlin & Pasnau, 1989; Yatham et al., 1989). Além disso, tem sido descrito um leve hipotiroidismo nestas pacientes e um deslocamento do ritmo de secreção tiroidea para a esquerda (início mais precoce) (Parry, 1996).

Os tratamentos propostos são múltiplos, todos com resultados variáveis e alguns com pouca significância estatística ou métodos de estudo pouco confiáveis. O tratamento da síndrome pré-menstrual geralmente é feito com base em mudanças dietéticas (evitar cafeína, álcool, carboidratos altamente refinados, sal e adição de vitamina B6 e B12), exercícios, terapias de abordagem cognitivo-comportamental e medicamentos como antidepressivos serotoninérgicos, benzodiazepínicos, bromocriptina e até analgésicos. No caso do TDPM, apenas os ISRS e os análogos do hormônio liberador de gonadotrofinas demonstraram, de forma consistente, serem eficazes no controle da sintomatologia. Os ISRS têm sido administrados em doses padrão contínuas ou intermitentes (os últimos 7-15 dias do ciclo) com taxas de resposta > 65% e superiores ao placebo: Fluoxetina, em doses de 20 mg/dia (Wood et al., 1992; Messiha, 1993; Steiner et al., 1995; Su et al., 1997) e Sertralina, 50-150 mg/dia (Yonkers et al., 1995). Outros fármacos contam com estudos controlados com placebo com resultados positivos, mas não replicados: Clonidina, Progesterona, Alprazolam (usado 8 a 12 dias antes da menstruação em doses de 0,25 a 4 mg/dia), Naltrexona (administrada entre os dias 9 e 18 do ciclo, nos quais ocorre o aumento e a queda das beta-endorfinas) e Fenfluramina (pela liberação de serotonina, aparentemente etiologicamente relevante na expressão de sintomas afetivos pré-menstruais com achados de diminuição na concentração plaquetária) (Gitlin & Pasnau, 1989; Rausch, 1993; Freeman et al., 1995). A Buspirona foi proposta como uma alternativa a partir dos estudos que afirmam que a síndrome pré-menstrual pode ser devida em grande parte a alterações na função de receptores 5-HT1A, o que explicaria a apresentação de enxaquecas, ansiedade, depressão e irritabilidade (Yatham et al., 1989). Os progestágenos, as vitaminas E e A e os anticoncepcionais orais mostraram resultados inconsistentes, muitas vezes similares ao placebo. O Buserelina (um agonista do hormônio liberador de gonadotrofinas) mostrou ser eficaz, mas pode levar a alterações menstruais e a osteoporose.

Depressão Breve Recorrente

Termo cunhado a partir dos estudos epidemiológicos em adultos jovens em Zurique, mas que havia sido descrito por Kraepelin como “uma série de transições ininterruptas de melancolia na qual o curso é indefinido com flutuações e remissões irregulares”. Em um estudo transcultural na prática geral de 14 centros de diversos países, realizado pela Organização Mundial da Saúde, as análises preliminares parecem apoiar a existência desse tipo de depressão em outras culturas (Angst & Hochstrasser, 1994). Caracteriza-se pela apresentação de episódios de depressão maior de 2 dias a duas semanas de duração (1 a 3 dias em 90% dos casos), uma vez por mês nos últimos 12 meses (em 50% dos casos os episódios recorrem a cada 2 semanas e o intervalo intercrítico é irregular) e não associados aos ciclos menstruais, nem a antecedentes de episódios depressivos maiores, nem a critérios para transtorno distímico. Quando associada a depressão maior, denomina-se Depressão Combinada. Os pacientes podem apresentar transtorno de personalidade ou abuso de substâncias psicoativas (Angst et al., 1990; Baldwin & Rudge, 1993).

Prevalência (1 ano): 5% a 9% (11% entre 20 e 30 anos de idade). Igual prevalência por sexos com um intervalo de 1.1 (vs. 1.5 para depressão maior). Pelo menos 16% da população geral sofre alguma vez na vida de DBR. Em familiares, as taxas de prevalência são de 7,4% por ano e de 14,7% ao longo da vida. A idade de início está entre 17 e 29 anos, segundo diferentes estudos. Trinta por cento dos pacientes com transtorno afetivo sazonal sofrerão este transtorno (Angst & Hochstrasser, 1994). Os pacientes com DBR apresentam um alto índice suicida, 14% a 22% (30% em depressão combinada) (Baldwin & Rudge, 1993).

O curso do transtorno é variável. De todos os pacientes que apresentam uma DBR, 53% não apresentarão um diagnóstico de depressão em pelo menos 7 anos posteriores. 29% continuarão apresentando o transtorno, 13% desenvolverão uma depressão maior sozinha, 6% apresentarão uma depressão combinada e 4% apresentarão um triplo diagnóstico (DBR + depressão maior + distimia ou depressão menor) (Angst & Hochstrasser, 1994).

O tratamento adequado ainda não foi estabelecido. Alguns autores relatam respostas parciais com ISRS, RIMA e Trifluoperazina em conjunto com diferentes técnicas psicoterapêuticas, que permitem a melhora dos sintomas como impulsividade, intolerância à frustração, sensação de vazio ou tédio e labilidade emocional. Chama a atenção que os comportamentos suicidas nesses pacientes costumam responder pouco aos ISRS (Baldwin & Rudge, 1993).

Depressão Psicótica

A depressão psicótica (delirante) é uma forma severa de transtorno afetivo caracterizada por delírios ou alucinações (Kendler, 1991; Schatzberg & Rothschild, 1992a). Charney & Nelson realizaram um cálculo da frequência dos sintomas psicóticos a partir de 54 pacientes com o transtorno e relataram: ideias delirantes paranoicas (54%), de culpa (50%), somáticas (30%), niilistas (7%), alucinações auditivas (20%), visuais (7%) e olfatórias (4%) (Charney & Nelson, 1981).

Apesar de o DSM-IV (APA, 1994) considerar a depressão psicótica como uma manifestação de severidade do transtorno depressivo maior, existe um grande debate antigo sobre se esse transtorno é uma síndrome distinta ou um subtipo severo de depressão; os estudos que tentaram demonstrar que a depressão psicótica é um tipo de depressão endógena com sintomas mais severos falharam em seu propósito (Schatzberg & Rotschild, 1992a). Essas tentativas de separar a entidade não são recentes e desde os anos 20 se faz menção da depressão com sintomas psicóticos como entidade diferente. Alguns autores pensam que a depressão delirante ou psicótica deve ser considerada como uma entidade clínica diferenciada, qualitativamente diferente do transtorno depressivo maior; para isso, apoiam-se em um modelo categorial e nos achados de importantes diferenças quanto à clínica, achados biológicos, diferente resposta farmacológica e consistência do diagnóstico através do tempo. Outros se apoiam em um modelo dimensional para argumentar que os sintomas psicóticos representariam uma forma de severidade do mesmo transtorno depressivo maior (Guze et al., 1975; Frances et al., 1981; Kocsis et al., 1990).

Em geral, os pacientes com depressão psicótica seguem um padrão de doença crônica e apresentam um alto número de reinternamentos durante o primeiro ano pós-hospitalização por causas psiquiátricas ou médicas gerais (Robinson & Spiker, 1985; Johnson et al., 1991; Coryell et al., 1996).

A depressão delirante afeta de 10% a 25% dos pacientes com depressão maior. A depressão psicótica também é de maior prevalência no sexo feminino, com proporções de 73,1% versus 26,9% em favor do sexo feminino em um estudo com 52 pacientes com depressão delirante (Aronson et al., 1988).

Os pacientes com depressão psicótica apresentam altas taxas de não supressão do cortisol no teste de supressão com dexametasona (TSD) na maioria dos estudos (60% vs. 16% em não delirantes) (Schatzberg et al., 1983; Arana, 1983; Contreras et al., 1996). No entanto, os altos níveis de cortisol pós-dexametasona não refletem um efeito específico evidenciável nos sintomas psicóticos, já que os estudos de Schatzberg com pacientes esquizofrênicos mostram níveis de cortisol abaixo dos encontrados em pacientes deprimidos, permitindo suspeitar que tal elevação é mais devida ao componente afetivo do que ao psicótico no caso da depressão psicótica. A ativação do sistema dopaminérgico na depressão psicótica, não evidenciável na depressão não psicótica, é demonstrada por estudos que encontram uma elevação da dopamina plasmática não conjugada e do HVA no LCR nos pacientes com o transtorno mencionado em primeira instância (p < 0.001) (Schatzberg et al., 1983). O desenvolvimento dos delírios é possivelmente devido aos efeitos da hipercortisolemia nos sistemas dopaminérgicos que leva a um aumento nos níveis de dopamina cerebral em ratos e de ácido homovanílico (HVA) no LCR de humanos. Os pacientes com depressão psicótica têm altos níveis de 5-HIAA no LCR, inclusive em estreita correlação com os níveis de HVA (p < 0.001) (Aberg-Wistedt & Bertilsson, 1985). Estudos recentes demonstram que a serotonina exibe uma ação reguladora dopaminérgica ao inibir a liberação de dopamina através de receptores 5-HT2A e ao deslocá-la de neurônios catecolaminérgicos (Owens & Craig Risch, 1995). Assim, os antagonistas 5-HT2A (Altanserina) e os agonistas 5-HT1A (que inibem os neurônios rafe-nigrais por meio de autorreceptores) ou as lesões das projeções serotoninérgicas (Dray et al., 1978), produzem uma desinibição de neurônios dopaminérgicos no mesencéfalo com modestos aumentos na liberação (Ennis et al., 1981) e possivelmente na síntese de dopamina (Spampinato et al., 1985) no núcleo accumbens e no córtex pré-frontal (Nedergaard et al., 1988). Os neurônios serotoninérgicos originados nos núcleos da rafe dorsal (B6 e B7) dirigem-se aos gânglios da base (striatum) de forma independente aos neurônios originados nos núcleos da rafe média (B5 e B8) que se dirigem ao sistema límbico (hipocampo) (Mansour et al., 1995).

Durante o sono, ocorre uma diminuição das ondas lentas do sono, aumento da fase 1, diminuição da fase 4, diminuição da latência do REM, redução da porcentagem de sono REM e menor atividade do REM, possivelmente pela hiperatividade funcional do sistema dopaminérgico central (Frances et al., 1981; Thase et al., 1986).

A TEC é considerada o tratamento de escolha em pacientes com depressão psicótica, com taxas de resposta próximas a 80% e 88% (Glassman et al., 1975; Charney & Nelson, 1981). Quanto ao tratamento com antidepressivos, a maioria dos estudos conclui que a resposta é maior quando associados a antipsicóticos (67% a 83% versus 23% a 47% com antidepressivos sozinhos e 19% com antipsicóticos sozinhos) (Spiker et al., 1985; Chan et al., 1987; Kocsis et al., 1990; Schatzberg, 1992); no entanto, os estudos de Howart & Grace (1985) e de Quitkin et al. (1978) questionam a duração e as doses empregadas na maioria dos trabalhos com ADT sozinhos em depressão psicótica, e relatam respostas satisfatórias com Imipramina em doses maiores de 200 mg/dia e com uma latência próxima às 6 semanas. Spiker analisa as possíveis razões para uma melhor resposta à terapia combinada, e considera que se deve a alterações nos sistemas dopaminérgico e noradrenérgico na depressão delirante e que as fenotiazinas elevam os níveis plasmáticos dos ADT (Spiker et al., 1985). A eficácia da combinação residiria no bloqueio da hiperdopaminergia e na correção do déficit de noradrenalina e serotonina (Nelson & Bowers, 1978).

Para Rothschild et al., o uso de um ISRS pode proporcionar vantagens adicionais devido ao fato de que a atividade do sistema serotoninérgico na depressão delirante está aumentada e que o risco elevado de suicídio poderia ser melhor prevenido com esse tipo de medicamentos. Adicionalmente, seu estudo mostrou que a Fluoxetina em combinação com a Perfenazina possui um perfil de efeitos secundários melhor do que o da combinação Amitriptilina e Perfenazina (Rothschild et al., 1993). A administração de curto prazo da Fluoxetina diminui a dopamina, o HVA e o 5-HIAA no cérebro de ratos. Para De Bellis et al., a Fluoxetina pode restaurar a comunicação normal entre os sistemas serotoninérgico e dopaminérgico no nível central (De Bellis et al., 1993). A Paroxetina também foi avaliada em combinação com neurolépticos (Zotepina ou Haloperidol) em um estudo de observação clínica realizado em pacientes hospitalizados, os quais encontraram uma melhora de 50% (critério de resposta) em 57% dos pacientes após 21 dias, com menor apresentação de efeitos secundários de tipo anticolinérgico evidenciáveis na combinação de ADTs e antipsicóticos (Wolfersdorf et al., 1995).

O único que foi demonstrado de forma unânime e contundente é a nula resposta ao placebo nos pacientes dos grupos controle de todos os estudos realizados até a data. Esse achado contrasta com a resposta obtida com o placebo em pacientes com depressão não delirante: 0 vs. 30% (p < 0.02) (Glassman & Roose, 1981) e 0 vs. 13,3% (Spiker et al., 1985).

Quanto à manutenção, há consenso nos diferentes estudos de que a melhor maneira de evitar as recaídas é administrando terapia farmacológica (antidepressivos sozinhos ou antidepressivos mais antipsicóticos) ou TEC continuada, seja após uma TEC ou de um tratamento farmacológico em fase aguda. A prevenção de recaídas a um ano parece ser mais significativa com a TEC continuada (42% vs. 95% com farmacoterapia), mas com o inconveniente de seu alto custo (3 sessões mensais por 10 meses no mínimo) (Petrides et al., 1994).

Vários trabalhos foram realizados para avaliar o efeito de vários antidepressivos como monoterapia na depressão psicótica, mas com resultados pobres, à exceção da Amoxapina, a qual foi de eficácia similar à combinação Amitriptilina mais Perfenazina, com taxas de resposta de 82% e 85% respectivamente (Anton & Burch, 1990). A Clozapina em doses de 500 mg/dia produziu remissão em um paciente com depressão psicótica refratária a outros medicamentos e à TEC (Dassa et al., 1993). Entre os ISRS, a Fluvoxamina (Gatti et al., 1996) e a Sertralina (Zanardi et al., 1996) demonstraram ser eficazes sem se associar a antipsicóticos no manejo da depressão delirante. A monoterapia com Fluoxetina parece ser igualmente eficaz no controle dos episódios de depressão psicótica (Tamayo, 1996).

Depressão Secundária

Os transtornos psiquiátricos são mais prevalentes em pacientes com afecções médicas gerais, e os mesmos podem afetar a evolução de tais afecções (Stoudemire, 1995). Devido à dificuldade em determinar quais sintomas são próprios da doença subjacente e quais são próprios da depressão, é preciso realizar uma cuidadosa avaliação de múltiplos fatores para estabelecer o diagnóstico de depressão secundária e evitar o risco de subdiagnosticar ou sobrediagnosticar. Uma consideração é a presença de uma associação temporal entre o início, exacerbação ou remissão da condição médica geral e o transtorno afetivo. Os pacientes com esse transtorno podem exibir uma frequência elevada de transtornos do afeto previamente ao aparecimento da condição médica geral, o que leva a postular a presença de uma predisposição à patologia afetiva.

A incidência de um episódio depressivo maior em pacientes com câncer, DCV, doença de Parkinson, IAM e outras patologias não psiquiátricas costuma ser muito maior do que a observada na população geral, o que indica que essas patologias comprometem seriamente o equilíbrio neuroquímico responsável pela manutenção da eutimia. A utilização de certos medicamentos também pode aumentar o risco de um episódio depressivo maior, especialmente em pacientes predispostos.

O prognóstico da entidade é variável, sendo melhor em condições tratáveis como o hipotireoidismo e pobre em entidades terminais como o carcinoma pancreático metastático. A depressão pode se apresentar em até 22% a 33% de pacientes hospitalizados por causas médicas não psiquiátricas. Nesses casos, foi documentada a necessidade de uma evolução satisfatória rápida, propondo-se a utilização de fármacos estimulantes como a Dextroanfetamina ou o Metilfenidato enquanto se inicia a ação dos antidepressivos (Wilson, 1993).

1. DCV (Doença Cerebrovascular)

Parece predispor à depressão em 30% a 47% dos afetados (Finklestein et al., 1982); cifra que pode aumentar à medida que o tempo transcorre desde o episódio cerebrovascular (até 2 anos depois). Metade dos afetados apresenta episódios com duração maior que 1 ano (Morris et al., 1993). Mais comum em lesões do hemisfério esquerdo (polo anterior), especialmente em pacientes com atrofia subcortical preexistente (Starkstein & Robinson, 1989). O comprometimento do hemisfério direito (córtex orbital direito) associa-se a sintomas maníacos como a euforia e a sintomas inespecíficos como a indiferença, placidez e minimização das sequelas (Robinson et al., 1984; Robinson et al., 1985; Sinyor et al., 1986; Robinson et al., 1988). Pacientes com depressão pós-DCV têm 3,4 vezes mais risco de morrer (Morris et al., 1993). A correlação entre o tamanho da lesão e principalmente a localização da mesma sugerem como fator etiológico o comprometimento de vias neuronais que se relacionam com o estado afetivo e a preexistência de uma vulnerabilidade; por outro lado, a severidade da depressão nem sempre se correlaciona com a magnitude da deficiência secundária, o que sugere que não se deve a uma simples reação psicológica pela perda funcional (Caine et al., 1995). O diagnóstico é muitas vezes dificultado pela presença frequente de alterações severas da linguagem (afasias), labilidade emocional inapropriada e anosognosia; por esse motivo, devem ser levados em conta sintomas como ansiedade, agitação, diminuição do apetite ou peso, insônia, pouca cooperação com os programas de reabilitação, falta de cuidado pessoal, deterioração de um déficit neurológico já estável, TSD anormal e sintomas somáticos inespecíficos (Ross & Rush, 1981; Lipsey et al., 1985).

2. Outras Patologias Neurológicas

Alta prevalência de depressão é relatada em entidades como a doença de Parkinson, com taxas próximas a 29% a 50% e devido possivelmente à redução dos níveis de serotonina cerebral, como sugere a diminuição de seu metabólito no LCR e manifestada como sentimentos de tristeza, desesperança, culpa, inutilidade, ideação suicida e desinteresse, e outros sintomas como irritabilidade, transtornos de memória, insônia, perda de apetite e sintomas somáticos (Mayeux et al., 1984; Schiffer et al., 1988; Cummings, 1992). Até um quarto dos pacientes com doença de Parkinson apresentam pródromos de sintomas depressivos prévios ao desenvolvimento das alterações motoras (Mayeux et al., 1986). A doença de Wilson (27% dos pacientes) (Dening & Berrios, 1989), a esclerose múltipla (Reischies et al., 1988), a doença de Huntington (Caine & Shoulson, 1983), a doença de Alzheimer e o comprometimento do SNC pelo HIV são causas frequentes de depressão secundária. Os traumas cranioencefálicos, o hematoma subdural, as infecções cerebrais (meningite, encefalite, HIV, sífilis) e os estados pós-ictais devem ser levados em conta. Com relação aos tumores cerebrais, um estudo clássico com 530 pacientes mostrou uma prevalência de 46%, independente da localização do tumor. Dos pacientes com comprometimento do lobo temporal, 24% tinham sintomas afetivos (Keschner et al., 1936). Dos pacientes com epilepsia, 19% a 50% apresentam síndromes afetivas, especialmente quando a epilepsia é de origem temporal (geralmente lobo temporal direito) (Bear & Fedio, 1977; Mendez et al., 1986).

3. Câncer

Um estudo multicêntrico foi realizado com 215 pacientes de serviços de oncologia selecionados aleatoriamente. Utilizando o sistema de classificação do DSM-III, foi possível detectar que 47% apresentavam algum tipo de transtorno psiquiátrico associado; principalmente transtornos de adaptação com humor depressivo, de ansiedade ou misto (68% dos pacientes). A depressão maior foi encontrada em 13% dos pacientes (Derogatis et al., 1983). São de consideração os tumores cerebrais primários, o câncer pancreático e o câncer de pulmão. Deve-se levar em conta que pacientes com câncer têm duas vezes mais risco de suicídio do que a população geral. O diagnóstico diferencial com um transtorno de adaptação, com os sintomas próprios do câncer ou os tratamentos empregados para o mesmo, é indispensável. A depressão diminui a função imunológica e permite a progressão do câncer.

4. Doenças Cardíacas

A prevalência de depressão maior em pacientes que sofreram um infarto do miocárdio há 6 a 12 meses é de 20% a 30%. A depressão maior constitui um fator de risco para mortalidade de proporções equiparáveis a uma disfunção do ventrículo esquerdo e a um histórico de infarto do miocárdio anterior (Frasure-Smith et al., 1993).

5. Transtornos Endócrinos

Doença de Cushing (86% dos pacientes com esse transtorno deprimem-se devido ao aumento de glicocorticoides), doença de Addison, hiper e hipotireoidismo, hiper e hipoparatireoidismo, falência ovariana ou testicular, síndrome da doença eutireoideia, hipo e hiperglicemia.

6. Consumo de Medicamentos ou Outras Substâncias

Os anti-hipertensivos que esgotam as vesículas pré-sinápticas de noradrenalina ou que impedem sua liberação, têm sido associados à apresentação de síndromes depressivas; entre eles estão a alfa-metildopa, Reserpina, Guanetidina, Clonidina (por sua ação agonista a2 pré-sináptica no nível central) e beta-bloqueadores em doses altas (com menor incidência para Atenolol e Nadolol por sua baixa lipofilicidade e pouca afinidade pelo SNC). Em tais casos, sugere-se a mudança para um inibidor da enzima conversora de angiotensina, que inclusive demonstrou ter efeitos antidepressivos (Gerner, 1993).

Outros medicamentos que podem levar à depressão são os anti-histamínicos tipo H2 (por um mecanismo de ação desconhecido), os agentes anticolinérgicos como a Atropina, o Tri-hexafenidil e a Benztropina (cujo uso prolongado pode culminar no desenvolvimento de alucinoses visuais e delirium), os corticosteroides (aparentemente dose-dependente e desde a primeira semana de tratamento), os esteroides anabólicos (22%), os anticoncepcionais orais (5-7% na forma de depressão atípica e relacionado com a concentração de progesterona do preparado que aparentemente aumenta a ação da MAO), danazol (20% na forma de depressão ansiosa), AINEs (letargia, diminuição da concentração, anedonia e apatia, dose-dependentes) (Gerner, 1993).

Entre as drogas de abuso incluem-se a intoxicação por álcool e hipnosedativos e a abstinência à nicotina, cafeína, álcool e hipnosedativos, cocaína, maconha e anfetaminas.

7. Deficiências Nutricionais

Várias pesquisas relataram uma associação entre deficiência de ácido fólico e depressão. Um terço dos pacientes hospitalizados e uma alta proporção de pacientes psiquiátricos têm deficiência de folatos, especialmente em diagnósticos como depressão e demência. Na maioria dos casos, o déficit foi devido ao transtorno psiquiátrico per se (dieta pobre, tratamentos [anticonvulsivantes, por exemplo], hospitalização prolongada), mas em outros, um transtorno metabólico primário deve ser suspeito (Carney, 1967). Um estudo com 34 pacientes com anemia megaloblástica mostrou que a associação neuropsiquiátrica mais frequente à deficiência de folato foi o transtorno afetivo (56% dos casos) (Shorvon et al., 1980). Outro estudo encontrou um nível de folato inferior a 150 ng/mL nas células vermelhas em 32% de 52 pacientes severamente deprimidos, em estreita relação com os níveis de 5-HIAA no LCR (Bottiglieri et al., 1988). A desnutrição e o déficit de vitaminas B12, B6, B2 e B1 também foram associados ao aparecimento de sintomatologia depressiva.

8. Outras Causas

Mononucleose infecciosa [ver Síndrome de fadiga crônica no capítulo de transtornos psicossomáticos], infecções sistêmicas (sepse), infecção urinária, pneumonia, sífilis, TBC, doença de Lyme, colagenoses, transtornos hidroeletrolíticos, ICC, falha hepática ou renal.

O TRATAMENTO DA DEPRESSÃO SECUNDÁRIA deve ser proposto a partir das causas estabelecidas da sintomatologia depressiva:

  • Na doença cerebrovascular, o tratamento intensivo é justificado para facilitar a terapia reabilitadora; para tal efeito, foram feitos estudos de eficácia com Nortriptilina, com poucos efeitos colaterais ortostáticos, mas com o risco de produzir delírios (Lipsey et al., 1983; 1984). Também se utiliza a terapia eletroconvulsiva (TEC), Trazodona, ISRS e o uso de psicoestimulantes como o Metilfenidato. Os antidepressivos noradrenérgicos provaram ser menos eficazes que os serotoninérgicos nesse tipo de pacientes (Reding et al., 1986; Fernández et al., 1988; Holmes et al., 1989; Angrist et al., 1992; Lazarus et al., 1992; Dam, 1993; Morris et al., 1993; Wilson, 1993; Wallace et al., 1995).
  • Nos transtornos convulsivos: Desipramina, IMAOs, ISRS (evitando a Maprotilina, Clomipramina e Bupropiona) (Trimble, 1978; Jick et al., 1983; Settle, 1992).
  • Na Síndrome cerebral orgânica: ISRS, Bupropiona e Trazodona.
  • Na doença de Parkinson: Bupropiona, Amitriptilina, Doxepina e TEC. Os antidepressivos melhoram os sintomas motores da doença, mais por modulação da transmissão aminérgica nos gânglios da base do que por efeitos anticolinérgicos dos ADT (Goetz et al., 1983; Brown, 1975).
  • Em pacientes com doença de Huntington: Imipramina, IMAOs, TEC (Whittier et al., 1962).
  • Em patologias cardiovasculares, recomenda-se o uso de ISRS ou Bupropiona; dos ADT, apenas a Nortriptilina ou a Desipramina são aceitas.
  • Na doença acidopéptica ou diarreia crônica: Doxepina ou Trimipramina (por suas propriedades anti-H2). Na constipação crônica: ISRS, Bupropiona, Trazodona.
  • Em pacientes com disfunção sexual, a Bupropiona é o fármaco de escolha. A Nefazodona e a Mirtazapina podem ser prescritas naqueles pacientes com disfunção sexual devida a outros antidepressivos.
  • Em glaucoma ou doença prostática: ISRS, Trazodona, Maprotilina, Bupropiona e Desipramina.
  • Pacientes com câncer poderiam se beneficiar do aumento do apetite e peso que os ADT produzem, mas a qualidade de vida e o nível de funcionamento são superiores com antidepressivos tipo ISRS do que com os ADTs. Está demonstrado que o tratamento da depressão nesses pacientes melhora sua sintomatologia, sua qualidade de vida, a função imune e o tempo de sobrevivência (McDaniel et al., 1995).

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