HISTÓRIA
A trepanação foi uma técnica cirúrgica utilizada por diferentes civilizações, como os Incas, há cerca de 5 mil anos. Burckhardt, na Suíça (1891), foi o primeiro a conceber uma abordagem neurocirúrgica para tratar doenças mentais por meio da ressecção do córtex pós-central, temporal e frontal em 6 pacientes; no entanto, a morte de um deles e o desenvolvimento de convulsões em outros dois o levaram a ser ridicularizado. Pusepp, em São Petersburgo (1910), ressecou fibras entre os lobos frontal e parietal em três pacientes com psicose maníaco-depressiva, mas não publicou seus resultados. Em 1935, Moniz & Lima desenvolveram a primeira técnica psicoquirúrgica para pacientes gravemente enfermos, a lobotomia pré-frontal com a injeção de álcool como esclerosante na substância branca dos lobos frontais. Eles se inspiraram nas mudanças de personalidade e afeto encontradas por Brickner em um paciente submetido a uma lobectomia pré-frontal bilateral para um tumor cerebral. Moniz chegou a teorizar que as células nervosas estão conectadas em padrões variáveis de acordo com estímulos de origem interna ou externa (o que hoje se conhece como plasticidade cerebral); no entanto, e segundo ele, pacientes com transtornos mentais têm um padrão de conexões fixas que leva a delírios e processos de pensamentos obsessivos. A única maneira de interromper tais conexões fixas era por meio da secção das fibras que vão do lobo frontal a outras regiões cerebrais. Seu procedimento foi considerado benigno e esperançoso pela baixa morbidade e mortalidade presentes em 20 pacientes com vários diagnósticos psiquiátricos, e recebeu o Prêmio Nobel em 1949, pois até então não existia outro tratamento psiquiátrico com tais “bondades”, de utilidade em pacientes crônicos refratários a outros tratamentos e que permitisse reduzir o número de pacientes hospitalizados em 25% (Swayze II, 1995).
Em 1936, Fiamberti desenvolveu a leucotomia transorbital, na qual a craniotomia foi evitada; ele perfurava a parede orbital superior e introduzia um leucótomo para destruir as radiações tálamo-frontais bilateralmente por meio de álcool. No mesmo ano, Freeman & Watts nos EUA utilizaram a lobotomia pré-frontal de Fiamberti em pacientes com depressão, realizando cerca de 600 intervenções (Iskandar & Nashold, 1995). A psicocirurgia tornou-se um procedimento amplamente utilizado nos anos 40, especialmente quando, a partir dos relatos prévios de alterações sérias da personalidade em pacientes lobotomizados (achatamento afetivo, apatia, falta de iniciativa, letargia, indiferença ao ambiente, puerilidade, perda de espontaneidade, impulsividade e labilidade afetiva), novas técnicas foram desenvolvidas buscando diminuir tais consequências: Hofstatter et al. (1945) fizeram lesões seletivas das áreas orbitais inferiores; Smith (1945) seccionou o cíngulo; Spiegel (1946) realizou uma talamotomia; Siris (1949) realizou uma fasciculotomia cíngulo-talâmica; Hugh Cairns (1949) encontrou a cingulotomia anterior especialmente útil em transtornos agressivos e obsessivos; e Grantham et al. (1950) utilizou a ablação eletrocoagulativa da zona média dos lobos frontais por ser esta o local de chegada das projeções talâmicas dorsomediais. Naquela época, os pacientes candidatos a esse tipo de intervenção eram aqueles que sofriam de transtornos afetivos graves (depressão involutiva, melancolia involutiva, depressão agitada, fase depressiva da psicose maníaco-depressiva), neurose obsessivo-compulsiva, hipocondria, agitação e tendências homicidas ou suicidas (Swayze II, 1995).
Em 1953, a mortalidade esperada da psicocirurgia (principalmente por hemorragia) variava de 0,85% a 2,5%. A epilepsia também foi uma complicação importante, ocorrendo em quase 10% dos operados, embora fosse facilmente controlada com Fenitoína ou fenobarbital. Tooth & Newton, em 10.365 pacientes na Grã-Bretanha entre 1942 e 1954, descobriram que 41% se recuperaram ou melhoraram significativamente, 28% tiveram uma melhora mínima, 25% não mostraram nenhuma mudança, 2% pioraram, 4% morreram, 1% apresentaram epilepsia secundária à cirurgia e 1,5% apresentaram marcada desinibição. A melhora foi maior em pacientes com doenças afetivas, com 69% de recuperação ou melhora significativa, com pouca efetividade em pacientes esquizofrênicos (18%); Moniz já havia relatado resultados semelhantes em 1936. Apesar disso, no início dos anos 50, a psicocirurgia entrou em decadência devido ao surgimento de medicamentos psiquiátricos eficazes como a Clorpromazina e a Imipramina (Swayze II, 1995; Cosgrove & Rauch, 1995).
Aliado ao surgimento de medicamentos eficazes no tratamento de vários transtornos psiquiátricos, diversos grupos e movimentos psiquiátricos condenavam publicamente as chamadas “técnicas físicas”, como a TEC e a psicocirurgia. Muitos chegaram a considerar que a psicocirurgia era “a assassina da alma”; outros recordavam as experiências dos alemães na Segunda Guerra Mundial com prisioneiros de guerra e doentes mentais, nos quais a técnica era utilizada de forma indiscriminada. Ainda assim, os resultados satisfatórios obtidos previamente e a apresentação de pacientes refratários a qualquer tipo de tratamento farmacológico permitiram a sobrevivência de uma abordagem terapêutica que hoje em dia volta a recuperar o interesse que recebeu em seus primeiros anos. Rappaport (1992) conclui: “(a psicocirurgia) deve ser avaliada da mesma maneira que outro tratamento médico” (Snaith, 1994).
DEFINIÇÃO
Atualmente, a psicocirurgia é definida como o tratamento cirúrgico de transtornos psiquiátricos como o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale [Y-BOCS] > 20), Transtorno Depressivo Maior (Beck Depression Inventory [BDI] > 30) e Transtorno Bipolar I, por meio de lesões localizadas em sítios cerebrais específicos, que deve ser realizada em centros especializados sob a responsabilidade de um psiquiatra e um neurocirurgião (Bridges & Bartlett, 1977; Cosgrove & Rauch, 1995). Com relação ao Transtorno Bipolar, a recuperação definitiva pode levar 2 anos (Lovett & Shaw, 1987). A esquizofrenia não é uma indicação usual da psicocirurgia, a menos que se apresente com sintomas depressivos ou ansiosos severos; igualmente, os transtornos de personalidade e o abuso de substâncias psicoativas são contraindicações relativas. As demências como a doença de Alzheimer e a demência vascular são contraindicações absolutas; a epilepsia preexistente não contraindica o uso de psicocirurgia, mas requer um controle rigoroso com terapia anticonvulsivante (Bridges et al., 1994). Pacientes com potencial para automutilar-se ou agredir a outros ou com comportamento suicida persistente podem ser candidatos eventualmente a técnicas como a amigdalectomia, talamotomia ou hipotalamotomia (Cosgrove & Rauch, 1995). Utilizam-se técnicas estereotáxicas que permitem realizar lesões com mínimas margens de erro (menores de 1 mm) em pacientes com doenças mentais crônicas (mais de 5 anos), que são refratários a outras terapias, cuja sintomatologia é suficientemente incapacitante e dolorosa (com um escore na Global Assessment of Function [GAF] > 50), e que, sob o enfoque de tratamentos convencionais, sejam considerados de pobre prognóstico (Bartlett et al., 1981; Cosgrove & Rauch, 1995). Quando se apresenta um alto risco suicida ou anorexia severa, poderia considerar-se o uso da psicocirurgia antes de um ano (Bridges & Bartlett, 1977).
Para poder levar um paciente ao centro cirúrgico, é necessário, além disso, o cumprimento de outros requisitos, como encaminhamento pelo psiquiatra assistente, avaliação por um comitê do centro onde será realizada a intervenção que inclua pelo menos um psiquiatra diferente do assistente, um neurologista e um neurocirurgião, consentimento por escrito do paciente e seus familiares ou representantes legais, e vinculação da família no programa de tratamento psiquiátrico pós-operatório. A avaliação do paciente também inclui um EEG, uma ressonância magnética nuclear (RMN), testes neuropsicológicos e exames sanguíneos (Cosgrove & Rauch, 1995). Para Bridges et al., antes da intervenção também deveriam ser suspensas, se possível, ou pelo menos diminuídas, as doses de medicamentos psiquiátricos a fim de diminuir a confusão pós-operatória (Bridges et al., 1994).
MECANISMO DE AÇÃO
A razão pela qual alguns pacientes com transtornos psiquiátricos intratáveis melhoram com a lesão da substância branca ventromedial do lobo frontal não é conhecida com certeza. Aparentemente, a melhora estaria relacionada ao comprometimento direto ou indireto do sistema límbico, já que existe uma complexa relação entre o lobo frontal e as estruturas límbicas; “o córtex frontal é a representação neocortical do sistema límbico” (Nauta, 1971). Sweet também menciona a relevância da radiação tálamo-frontal ao encontrar em sua revisão vários relatos sobre a degeneração bilateral da parte medial do núcleo dorsomedial do tálamo no exame postmortem de pacientes com leucotomias frontais (Sweet, 1973). Papez, em 1937, já havia postulado que um circuito reverberante no cérebro era o responsável pela emoção, ansiedade e memória. Os componentes de tal circuito eram o hipotálamo, a área septal, o hipocampo, os corpos mamilares, o núcleo anterior do tálamo, o cíngulo e suas interconexões: “o sistema límbico parece estrategicamente localizado para mediar e interconectar os estímulos somáticos e viscerais com as funções corticais superiores e, dessa forma, adicionar um colorido emocional aos processos psíquicos”. Tal sistema foi posteriormente complementado por McLean em 1952 ao incorporar o córtex orbital frontal, a ínsula, o córtex temporal anterior, a amígdala e o núcleo dorsomedial do tálamo (estruturas paralímbicas). Este complexo sistema e suas interconexões desempenham um papel central na patofisiologia dos transtornos afetivos maiores, do transtorno obsessivo-compulsivo e dos transtornos de ansiedade (Cosgrove & Rauch, 1995).
TÉCNICAS
Além da leucotomia pré-frontal descrita por Moniz & Lima, outras intervenções utilizadas antes dos anos 70 incluem: 1) Leucotomia bimedial, uma divisão da substância branca limitada a uma extensão de 2 cm da linha média, à frente dos ventrículos laterais, mas com efeitos adversos em 21% dos casos (mudanças de personalidade, 6,5%; epilepsia, 1%) (Post, 1968; Birley, 1964). 2) Lesões do joelho do corpo caloso, interrompendo as vias cíngulo-estriadas inter-hemisféricas em caso de ansiedade esquizofrênica. 3) Hipotalamotomia, para obesidade. 4) Instalação de eletrodos profundos, na região medial dos lobos frontais, com o objetivo de obter melhora por meio da estimulação ou da lesão dos mesmos em pacientes com transtornos mentais ou doença de Parkinson (Sem-Jacobsen, 1959).
As técnicas contemporâneas produzem mudanças passageiras na função cognitiva, mesmo em maiores de 70 anos, como confusão e letargia (Bridges & Bartlett, 1977). Todas utilizam técnicas estereotáxicas com coagulação de radiofrequência (corrente alternada de alta frequência que eleva a temperatura dos tecidos, produzindo uma lesão térmica) (Iskandar & Nashold, 1995). Entre as mais utilizadas estão:
1. Leucotomia Límbica:
Introduzida por Kelley em 1973. Consiste em três pequenas lesões de 6 mm de diâmetro, estereotaxicamente, usando meios criogênicos ou termocoagulação no nível da área subcaudada e do cíngulo, de tal maneira que permite a desconexão das vias órbito-frontais – talâmicas; a adição da cingulotomia anterior à tractotomia subcaudada permitiu observar melhores resultados em pacientes com neurose obsessiva, por isso ainda é utilizada no tratamento do Transtorno Obsessivo-Compulsivo crônico, grave e sem resposta ao tratamento, com melhorias da ordem de 61% a 89%. É utilizada também em ansiedade crônica ou fobias, com respostas de 66%, em esquizofrenia quando a ansiedade, depressão ou sintomas obsessivos são proeminentes, com respostas de 80% na sintomatologia associada, e na depressão intratável, com 78% de melhora (Goktepe et al., 1975; Mitchell-Heggs, 1976; Bartlett et al., 1981). Comparado com 15% dos pacientes com transtornos depressivos graves que cometem suicídio (Guze & Robins, 1970), a leucotomia límbica permite diminuir essa proporção para 5% após 20 meses de acompanhamento (Mitchell-Heggs et al., 1976). Quanto às complicações, ainda não foram apresentados casos de epilepsia com esta técnica (embora se recomende o uso de Fenitoína por até 6 meses após a intervenção), e as mudanças de personalidade são raras (Harvey et al., 1993).
2. Cingulotomia Anterior:
Idealizada inicialmente por Fulton em 1951. É o procedimento psicocirúrgico mais utilizado nos EUA nos últimos 30 anos. Indicado no tratamento de estados de ansiedade crônicos, dor crônica severa, depressão maior e transtorno obsessivo-compulsivo. Consiste em uma lesão por termocoagulação bilateral no nível do cíngulo, 7 mm da linha média e 20 a 25 mm posterior ao ponto extremo dos cornos frontais. A latência para observar os efeitos benéficos definitivos é de 6 a 12 semanas, sendo considerada infrutífera se não houver resposta após 3 a 6 meses, caso em que uma reintervenção poderia ser considerada (Jenicke et al., 1991; Hay et al., 1993). Ballantine et al. realizaram uma revisão retrospectiva de 198 pacientes com tal procedimento com uma média de 8,6 anos de acompanhamento: 65% dos pacientes com transtornos afetivos severos melhoraram significativamente, 56% dos pacientes com Transtorno Obsessivo-Compulsivo o fizeram igualmente e 79% dos pacientes com outros transtornos de ansiedade. Com relação a essa técnica, a porcentagem de pacientes com transtornos depressivos severos que cometeram suicídio após a intervenção foi de 9% em um acompanhamento de 8,6 anos (Ballantine et al., 1987). Outro estudo de Baer et al. apresentou números não tão satisfatórios (25% a 30% de melhora significativa em pacientes com TOC refratário à medicação e tratamentos comportamentais), mas mostrou poucos efeitos adversos (Baer et al., 1995). Cosgrove et al., empregando a CGI e a Current Global Psychiatric-Social Status Scale (CGPS), encontraram que os pacientes afetivos respondem melhor à técnica do que os pacientes com TOC; em 34 pacientes, eles descobriram que 38% eram respondedores, 23% possíveis respondedores e 38% não respondedores (36% dos não respondedores foram respondedores após procedimentos repetidos, 30% permaneceram como prováveis respondedores e 28% permaneceram como não respondedores) (Spangler et al., 1996). Com relação a esses últimos, em diferentes relatos não foram observadas alterações comportamentais ou intelectuais significativas, registrando-se inclusive um aumento nas pontuações da escala de Weschler que mede o coeficiente intelectual em pacientes com dor crônica e depressão) (Cosgrove & Rauch, 1995). A hemiplegia ocorre em menos de 0,3% dos pacientes após uma cingulotomia e a epilepsia em menos de 1% (Hansen et al., 1992).
3. Capsulotomia Anterior:
Leksell popularizou o procedimento, embora tenha sido descrito em primeiro lugar por Talairach em 1949. Consiste na desconexão cirúrgica do sistema límbico e dos lobos frontais por meio da secção anterior da cápsula interna com termocoagulação (Hay et al., 1993). Nos primeiros 116 pacientes operados por Leksell, 50% dos obsessivo-compulsivos e 48% dos deprimidos tiveram uma resposta satisfatória. Em apenas 20% dos pacientes com neurose de ansiedade e 14% com esquizofrenia, foi relatada uma resposta satisfatória. Bingley et al., em 1977, relataram resultados positivos em 35 pacientes com TOC na ordem de 70% (Cosgrove & Rauch, 1995). Entre os efeitos adversos pós-cirúrgicos que foram relatados por Mindus no acompanhamento de 22 pacientes, encontram-se: confusão durante a primeira semana, convulsões em um paciente, suicídio em outro, depressão que exigiu tratamento em 8, fadiga excessiva em 7, transtornos de memória em 4 e ganho de peso em 10%. Não houve evidência de alterações cognitivas (Mindus & Nyman, 1991).
4. Tractotomia do Subcaudado:
Introduzida por Knight em 1964 na Grã-Bretanha. Tinha como objetivo interromper os tratos nervosos que comunicam o córtex orbital e as estruturas subcorticais por meio da inserção, no nível da substância inominada, de 3 pequenos tubos de cerâmica que continham material radioativo que produziam uma lesão limitada não maior que 22 mm na substância branca circundante ao núcleo caudado. Utilizada em depressão maior crônica ou recorrente com melhora de 68% dos intervencionados e diminuição do número de suicídios por essa causa para 1% em um acompanhamento de 3 a 13 anos (Bridges et al., 1994); também foram relatadas melhorias de 62,5% em estados de ansiedade, de 50% a 60% em transtorno bipolar (Bridges et al., 1994), de 50% em neurose obsessiva e de 7% em esquizofrenia. Foi utilizada também no manejo da dor intratável, no Transtorno esquizoafetivo com sintomas afetivos proeminentes e no Transtorno bipolar refratário a outros tratamentos (Strom-Olsen & Carlisle, 1971; Bartlett et al., 1981). A maior complicação mais encontrada nos diferentes relatos são as convulsões, que se apresentam com uma frequência de 1,6% (Bridges et al., 1994).
5. Amigdalectomia:
Nos anos 60, Narabayashi realizou amigdalectomias bilaterais em pacientes com transtornos psiquiátricos. Atualmente, é uma intervenção muito controversa por suas implicações éticas, já que foi muito utilizada para fins políticos na Segunda Guerra Mundial; hoje em dia é utilizada no controle da agressividade patológica, incontrolada ou associada a doença psiquiátrica (esquizofrenia, retardo mental, transtorno de personalidade, epilepsia) (Bridges & Bartlett, 1977).
RESULTADOS E MANEJO PÓS-OPERATÓRIO
O grau de melhora pós-operatória pode ser determinado com a Pippard Postoperative Rating Scale (1955), que classifica o paciente em uma de cinco categorias: 1) livre de sintomas, 2) melhora marcada, mas alguns sintomas persistem, embora sem necessidade de adicionar manejo farmacológico, 3) ligeira melhora, 4) sem mudanças e 5) piora. Utilizando essa escala e comparando os diferentes relatórios sobre a efetividade da psicocirurgia, constata-se que os pacientes com TOC que conseguem se classificar nas escalas 1 e 2 são 50% com tractotomia do subcaudado, 56% com cingulotomia, 61% com leucotomia límbica e 67% com capsulotomia. Em pacientes com transtorno depressivo maior, a efetividade é de 68% com tractotomia do subcaudado, 65% com cingulotomia, 78% com leucotomia límbica e 55% com capsulotomia (Cosgrove & Rauch, 1995). Entre as características associadas a um bom prognóstico pós-cirúrgico em pacientes deprimidos estão: início súbito, início na segunda metade da vida, início no pós-parto, boa resposta à TEC em algum momento da doença, apresentação recorrente com recuperação completa entre os episódios e ser casado ou viúvo (Bridges et al., 1994). Deve-se levar em conta, além disso, que os tratamentos convencionais podem se tornar mais eficazes após o procedimento cirúrgico. Em caso de recaída nas primeiras fases pós-operatórias, não há contraindicações para utilizar diversos medicamentos como antidepressivos ou até mesmo a TEC; a Carbamazepina, por suas propriedades estabilizadoras do humor e seus efeitos anticonvulsivantes, poderia ser um medicamento de escolha em tais casos (Bridges et al., 1994).
A reabilitação é de grande importância no manejo pós-operatório, já que os transtornos que levaram à realização da psicocirurgia acarretam problemas como a institucionalização e a limitação considerável da função social. Deve ser gradual, envolver os membros familiares e ser realizada por terapeutas treinados para esse fim.
Após seis meses e um ano, os pacientes devem ser avaliados por meio de escalas padronizadas como a Pippard Postoperative Rating Scale, a escala de Hamilton para depressão ou a Y-BOCS. São úteis também diferentes testes neuropsicológicos com o objetivo de detectar qualquer alteração em diferentes funções cerebrais, como inteligência, linguagem e memória (Bridges et al., 1994).
TERAPIA ELETROCONVULSIVA – TEC
HISTÓRIA
A terapia convulsiva para uso psiquiátrico é descrita desde o século XVI por Paracelsus, utilizando elementos convulsivantes como o cânfora. Em 1934, von Meduna utiliza o cânfora para o manejo da esquizofrenia; posteriormente, ao considerar que a esquizofrenia e a epilepsia eram entidades antagônicas pelos achados anatomopatológicos e a atenuação dos sintomas psicóticos em um paciente que convulsiona, utiliza o pentilenotetrazol (Metrazol) em forma intravenosa em substituição ao óleo de cânfora que, aplicado em forma intramuscular, gerava intenso mal-estar e tinha um início de ação muito longo (Colodrón, 1983). Outras técnicas convulsivantes da época, já em desuso, foram a malarioterapia de Wagner von Jauregg e o coma insulínico de Sakel. O uso da eletricidade ocorreu a partir de 1938 com os trabalhos de Cerletti e Bini em um paciente esquizofrênico com alucinações (Vallejo, 1994). No entanto, é somente em 1940 que Bennett introduz o uso de relaxantes musculares para diminuir o risco de fraturas vertebrais que ocorrem com a Terapia Convulsiva. Mas a TEC foi caindo em desuso por diferentes motivos, entre os quais se encontram sua proibição legal em alguns países, seu uso indiscriminado, o surgimento dos psicofármacos, o pouco conhecimento sobre seu mecanismo de ação e suas consequências a longo prazo, que a levaram a uma estigmatização imerecida. Nos anos 70, com o advento da antipsiquiatria, a TEC foi considerada um método repressivo, agressivo e desumanizador, atribuindo-se-lhe um suposto risco de lesão cerebral. Em 1977, o Royal College of Psychiatrist e em 1978 a Task Force Report da APA, pronunciam-se a favor da TEC para certo tipo de transtornos, principalmente afetivos (Vallejo, 1994). Hoje em dia, mais de 50 mil pacientes por ano no mundo recebem esse tipo de tratamento (Dubovsky, 1995). Na Grã-Bretanha, são tratados de 0,16 a 0,52 pacientes/10 mil hab. a cada ano. Na Irlanda, 0,32 a 0,65/10 mil hab. Nos EUA, onde são tratados 4,9 pacientes/10 mil hab., é utilizada majoritariamente pelos estratos médio e alto, o que leva à sua maior implementação em hospitais privados (Hermann et al., 1995).
MECANISMO DE AÇÃO
O mecanismo de ação da TEC permanece ainda em grande parte desconhecido, embora se pense que esteja relacionado com seus efeitos sobre vários neurotransmissores (aumento sináptico de noradrenalina, serotonina, GABA e beta-endorfinas) (Kellar, 1981), assim como na dessensibilização de receptores beta1 pós-sinápticos (Pandey et al., 1979; Mann et al., 1990), aumento de receptores beta2 plaquetários (talvez devido à diminuição de catecolaminas plasmáticas) (Werstiuk et al., 1996), “down-regulation” de receptores alfa2 (Cooper et al., 1985), sensibilização e aumento na densidade de receptores 5-HT2 (diferente dos antidepressivos), aumento da sensibilidade pós-sináptica de receptores 5-HT1A, dessensibilização de receptores muscarínicos corticais e hipocampais (o que poderia explicar a amnésia pós-ictal) (Dashieff et al., 1982) e aumento de dopamina sem alteração na sensibilidade de receptores D2 (Dubovsky, 1995), segundo estudos em ratos. A TEC inibe o acoplamento de vários receptores à proteína G, levando a alterações no sistema de segundos mensageiros (cAMP [adenosina monofosfato cíclico] e PI [fosfatidil inositol]); também leva à liberação de neurotransmissores excitatórios como o glutamato, que, ao se ligar ao seu receptor NMDA, permite um grande influxo de Ca++ nos neurônios pós-sinápticos que interfere no funcionamento celular normal. Uma teoria adicional sobre o mecanismo de ação da TEC sugere que esta leva a um aumento da função cerebral direita e a um abatimento da função cerebral esquerda (Dubovsky & Buzan, 1997). Finalmente, um estudo postula que o aumento na permeabilidade da barreira hematoencefálica facilitaria a passagem de triglicerídeos para o tecido cerebral, levando à ativação do fosfatidilinositol (Woods & Chiu, 1990).
Por outro lado, a TEC produz mudanças eletroencefalográficas similares às de uma convulsão generalizada, com recuperação do padrão normal em 20 a 30 minutos. Quando são administradas uma ou mais sessões semanais de TEC, a recuperação do padrão normal é alcançada em 1 a 12 meses (Gangadhar et al., 1993). Também foram descritos aumentos rápidos nas concentrações plasmáticas de neurofisinas, ocitocina (correlacionada com a melhora clínica), prolactina, ACTH, LH, insulina e cortisol (Whalley et al., 1982; Christie et al., 1982; Berrios et al., 1986; Scott et al., 1989).
TÉCNICAS
Devem ser realizados exames laboratoriais prévios: hemograma completo e sedimentação, ureia, creatinina sérica, citoquímico de urina, radiografias de tórax e coluna, eletrocardiograma e tomografia axial computadorizada (opcional). O paciente deve estar em jejum (não ter comido ou bebido nada mínimo 6 horas antes do procedimento) e é pré-medicado com Atropina, 0,4-1,0 mg I.V. antes da anestesia ou até aumentar o pulso em mais de 10% (o que permite diminuir o risco de arritmias). A aplicação da TEC é efetuada através de dois eletrodos localizados no nível frontotemporal quando utilizada de forma bilateral (a mais utilizada) ou no nível frontotemporal e centro parietal direitos (hemisfério não dominante) quando utilizada a forma unilateral (de menores efeitos adversos, mas menor eficácia) (Sackeim et al., 1993). Desde os trabalhos de Cerletti e Bini, os aparelhos de TEC utilizavam estímulos elétricos de ciclos bidirecionais consistentes em uma onda negativa e uma positiva. Agora, esse tipo de estímulo é considerado obsoleto por sua ineficácia; a aplicação de estímulos de pulso breve bidirecionais atinge rapidamente seu pico de intensidade e são mais eficazes. Transmitem-se vários volts de corrente direta (100-130) por uns 3 a 4 segundos que levam a uma crise convulsiva de 35-80 segundos de duração e a um aumento da prolactina sérica em 5 a 10 vezes seu valor normal em 20 minutos; o exposto deve ser efetuado sob a ação de um anestésico de ação curta (Tiopental, 100-300 mg; Metohexital, 30-160 mg [0,75 mg/kg]; Cetamina), um relaxante muscular (Succinilcolina, 40-80 mg [0,5 mg/kg]), oxigenação a 100%, registro eletroencefalográfico e eletrocardiográfico (Sobin et al., 1995).
Para alcançar o efeito terapêutico esperado, a sessão de TEC deve levar à ocorrência de convulsões tônico-clônicas no paciente por um período superior a 25 segundos, levando em conta que, sendo um fenômeno de tudo ou nada que depende do limiar convulsivo, o aumento da voltagem não levará necessariamente a uma maior duração e intensidade das convulsões. O aumento da voltagem que ocorre nas sessões finais tem como objetivo superar o limiar convulsivo, que se eleva cada vez mais devido à liberação de anticonvulsivantes endógenos (tipo não GABA) após cada sessão (Dubovsky, 1995). Existem trabalhos, no entanto, que questionam a utilização da duração e da intensidade das convulsões como parâmetros de eficácia e propõem, em vez disso, a determinação da intensidade do estímulo (Sackeim et al., 1993).
Em cada sessão, não devem ser realizadas mais de 3 tentativas separadas por um intervalo de um minuto, caso a duração ou intensidade da convulsão no primeiro intento não seja a esperada, pois isso aumentaria o estado confusional sem se obter uma maior resposta. O número de tratamentos é de 6 a 20 no total, 2 a 3 vezes por semana; o esquema de 2 vezes semanais leva a menor disfunção cognitiva que um esquema de intervalos mais curtos, assim como uma baixa intensidade elétrica e a localização dos eletrodos (unipolar vs. bipolar) com igual eficácia (Fink, 1991; Fein & Callaway, 1993). No estudo de Sobin et al., a modalidade unilateral de colocação dos eletrodos levou a um menor comprometimento nas funções cognitivas e de memória do que a modalidade bilateral; não houve diminuição da pontuação no Minimental State Examination na unilateral (p < 0.001) e a amnésia retrógrada foi menor. No entanto, após 2 meses, os valores dessa escala foram comparáveis em ambas as modalidades. Os autores concluem que o estado cognitivo global basal e a recuperação da orientação pós-ictal predizem a magnitude da amnésia retrógrada para a informação autobiográfica; consideram útil a colocação de eletrodos unipolares, a diminuição da dose elétrica ou o aumento nos intervalos das aplicações naqueles pacientes com transtorno cognitivo preexistente ou com marcada desorientação pós-ictal após a primeira sessão de TEC (Sobin et al., 1995). Em 52 pacientes com transtorno depressivo maior aos quais se aplicou TEC bilateral em dois esquemas (duplo-cego), duas vezes por semana ou três vezes por semana, Lerer et al. demonstraram que os valores da HAM-D melhoraram com ambos os esquemas, embora a administração de três vezes por semana de TEC oferecesse uma recuperação mais rápida com efeitos cognitivos mais proeminentes. Concluem que essa modalidade deveria ser empregada apenas em casos nos quais o início da resposta clínica é de importância primária (suicídio, anorexia, catatonia) (Lerer et al., 1995). Por outro lado, Sackeim et al. observaram uma marcada diferença entre a TEC bilateral e a unilateral de hemisfério não dominante com eficácias da ordem de 70% e 28% respectivamente, embora individualizando a intensidade do estímulo por meio da determinação do limiar convulsivo em cada paciente (Sackeim et al., 1993).
INDICAÇÕES GERAIS
A TEC é indicada em depressão severa com alto risco suicida, depressão refratária, depressão psicótica, depressão agitada, depressão estuporosa ou catatônica e depressão bipolar (melhora de 70% a 80% vs. 20% a 30% dos controles não tratados), a ponto de ser considerada o melhor tratamento antidepressivo (Janicak et al., 1985; APA, 1990; Gangadhar et al., 1993; Zornberg & Pope, 1993). A TEC bilateral também é utilizada em mania aguda ou naqueles pacientes que não respondem ao tratamento farmacológico (melhora de 80% e 54% respectivamente), com eficácia e melhora clínica similar ao Lítio, mas com uma remissão rápida após 6 sessões (3 por semana) (Black et al., 1987; Small et al., 1988; Mukherjee et al., 1994). Em pacientes cicladores rápidos, a TEC demonstrou ser ineficaz (Wehr et al., 1988). A TEC não é eficaz em esquizofrenia crônica, mas pode ser eficaz no controle de sintomas catatônicos ou delírios de controle e referência; a depressão pós-psicótica geralmente não responde à TEC (Dodwell & Goldberg, 1989). A chamada catatonia letal, similar em sintomatologia à síndrome neuroléptica maligna, e consequência de altas doses de antipsicóticos associados a doenças sistêmicas, endócrinas ou neurológicas, responde rápida e efetivamente à TEC (Gelenberg & Mendel, 1977; Abrams & Taylor, 1977; Mann et al., 1986). Outras indicações são: delírios secundários a uma afecção médica geral (febre, infecções, traumas encefalocranianos, uremia, pelagra, esclerose múltipla) ou a síndromes de abstinência; doença de Parkinson, especialmente aqueles pacientes com o fenômeno on-off à Levodopa (pelo aumento da transmissão dopaminérgica); status epilepticus ou epilepsia intratável (Dubovsky, 1995). Vários estudos demonstraram a utilidade e segurança da TEC em gestantes, particularmente onde sua aplicação é imperativa e podem ser garantidas todas as condições apropriadas para sua administração (psiquiatra, anestesista e obstetra) (Remick & Maurice, 1978; Ferrill et al., 1992). Várias diretrizes foram sugeridas para a administração segura da TEC na gravidez: posição em decúbito lateral esquerdo, monitoramento do feto e do útero e limitação da exposição a medicamentos anticolinérgicos (Miller, 1994).
EVENTOS ADVERSOS
A taxa de mortalidade com TEC é de 0,002% por tratamento e 0,01% por paciente; as mortes ocorrem quase sempre após a administração da terapia, sendo as causas cardiovasculares as mais frequentes; o consumo de O2 miocárdico aumenta em 30% a 140% durante a convulsão (Gerring & Shields, 1982).
Os efeitos adversos variam de arritmias (bradicardia por efeito anestésico ou taquicardia por estimulação do sistema simpático), hipertensão arterial, hipercalemia, convulsões prolongadas (maiores de 180 segundos), convulsões espontâneas (1 em cada 500-1000 pacientes), herniação cerebral (em pacientes com massa cerebral não diagnosticada) e quadro maniforme, até confusão (em 5% a 10% dos pacientes e que geralmente desaparece entre 15 ou 30 minutos), delirium (mais frequente em administração bilateral, uso de ondas sinusoidais, alta intensidade de voltagem, intervalos curtos entre uma aplicação e outra, uso de Cetamina e lesões cerebrais preexistentes) e transtornos mnésticos (que podem comprometer memória anterógrada ou retrógrada e que duram de 72 dias após o término da TEC até 6 meses ou vários anos; disfunção que pode ser diminuída com a colocação de eletrodos no hemicrânio direito e a utilização de estímulos de pulso breve) (Dubovsky, 1995). No entanto, os testes neuropsicológicos aplicados em vários estudos mostram que, após a disfunção cognitiva imediata, os pacientes deprimidos geralmente apresentam uma melhora cognitiva significativa em relação ao período pré-convulsivo e melhoram sua capacidade de adquirir e reter novas informações (memória de consolidação) (Malloy et al., 1982).
Ao contrário do que se afirmava em meados do século, estudos post-mortem ou imagiológicos recentes não relataram lesões cerebrais secundárias ao emprego de TEC. Em estudos com animais, a perda neuronal e a gliose só são observadas após convulsões que duram mais de 90 minutos. Para que a TEC produza perdas neuronais permanentes (em primatas), deve ser administrada pelo menos 3 vezes por semana sem nenhuma assistência anestésica ou com convulsões de mais de 1,5 a 2 horas de duração, se essa assistência for fornecida. Os níveis de creatina-quinase cerebral ou de proteína básica da mielina, elevados em pacientes com dano cerebral, não diferem dos pacientes controle normais. Os achados com TAC ou RMN também não revelam alterações na anatomia cerebral (Lippman et al., 1985; Coffey et al., 1991; Devanand et al., 1994).
CONTRAINDICAÇÕES
Para sua aplicação, é preciso descartar a presença de infarto agudo do miocárdio recente (até 3 meses após ocorrido), doença cerebrovascular (até 1 mês após ocorrido o evento), hipertensão intracraniana, edema cerebral, tumores cerebrais, hipertensão arterial severa, insuficiência cardíaca congestiva e aneurismas cerebrais ou aórticos. Deve-se descontinuar o uso de medicamentos como o Lítio (risco de delirium e status epilepticus) (Small & Milstein, 1990), antidepressivos tricíclicos e IMAOs (não apresentam efeito sinergístico), Lidocaína, anticonvulsivantes e benzodiazepínicos provisoriamente (por interferir com as convulsões próprias da TEC), Teofilina e cafeína (aumenta a duração da convulsão); os antipsicóticos não devem ser suspensos (à exceção da Clozapina, que produz convulsões tardias). Existem situações especiais em que se requer a administração de antidepressivos para diminuir o limiar convulsivo quando a duração total das convulsões não se aproxima do esperado. Neste caso, os ISRS (Paroxetina) demonstraram ser até duas vezes mais eficazes em aumentar a duração da convulsão do que os ADT (Curran, 1995).