Transtorno caracterizado por ansiedade excessiva em intensidade, duração ou frequência, de apresentação quase diária, acompanhada de uma preocupação em manter-se afastado do evento temido que interfere nas atividades diárias. Durante o curso do transtorno, o foco de atenção pode variar de um tópico para outro (American Psychiatric Association, 1994). Associa-se a tensão muscular, dores musculares, tremor, sensação de abalo, espasmos, inquietude, desassossego ou até inibição psicomotora ou estupor.
Em algumas culturas, a ansiedade pode manifestar-se predominantemente através de sintomas somáticos, mas em outras através de sintomas cognitivos. Em crianças e adolescentes, a ansiedade pode comprometer o desempenho escolar e esportivo e manifestar-se como preocupação excessiva por eventos catastróficos ou perfeccionismo acentuado (American Psychiatric Association, 1994).
Deve ser diferenciado do medo ou estresse, nos quais um agente externo coloca em jogo defesas psíquicas biológicas (ver mais adiante), enquanto na ansiedade se apresenta um sentimento imotivado de temor e incerteza, apreensão e tensão diante de uma ameaça não identificada que compromete o funcionamento do indivíduo e implica uma redução da liberdade pessoal (Andrade, 1992). A ansiedade normal, não excessiva e de caráter adaptativo, serve para mobilizar as operações defensivas do organismo, é a base da aprendizagem e da motivação para obter prazer e evitar o sofrimento.
Etiopatogenia
Reação autonômica (aumento do tônus simpático) e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal com liberação de catecolaminas aumentada, assim como alteração de níveis de neurotransmissores, com elevação de serotonina e dopamina e diminuição do GABA, no nível do córtex temporal, lobo occipital, locus coeruleus e córtex pré-frontal e hipossensibilidade de receptores alfa 2 pré-sinápticos plaquetários (e possivelmente pós-sinápticos).
As extensas conexões entre o sistema reticular e o vermis cerebelar apontam para a possibilidade de que também estejam implicados na regulação autonômica da tensão e ansiedade. Os estudos de sono registram um aumento na latência do sono com aumento das etapas I e II, diminuição do sono profundo, diminuição do REM e do tempo total de sono (Ayuso, 1992).
Parece existir algum componente genético modesto, embora outros estudos não tenham encontrado evidências (Torgersen, 1983; Kendler et al., 1992a). No entanto, cerca de 20% dos parentes de primeiro grau de um paciente com transtorno de ansiedade generalizada sofrem do mesmo transtorno (vs. 5% da população geral), mas sem maior risco para transtorno do pânico (Noyes et al., 1987). Um indivíduo com um transtorno de ansiedade tem um risco aumentado de ter outro transtorno de ansiedade ou depressão (Bowman & Nurnberger, 1993).
Os estudos com PET mostram aumento do fluxo sanguíneo cerebral e do metabolismo quando o paciente apresenta sintomas leves a moderados de ansiedade, mas ocorre vasoconstrição diante de sintomas severos. A ansiedade produz hiperventilação, redução do CO2 e diminuição do fluxo sanguíneo cerebral.
Do ponto de vista da teoria cognitiva, o Transtorno de Ansiedade Generalizada se desenvolve a partir da colocação dos recursos de atenção em uma ameaça, fácil acesso e obtenção rápida de informação relacionada à ameaça, autoconsciência ou excessiva preocupação sobre como os outros o percebem, medo exagerado e excessivo das sensações corporais associadas à ansiedade e um transtorno para perceber os graus de estresse ou a dificuldade de uma tarefa (Papp & Gorman, 1995).
Definição
O Transtorno de Ansiedade Generalizada foi definido pela APA através do sistema de classificação do DSM-IV (tabela 1). No entanto, esse diagnóstico é muito controverso pela frequente comorbidade com outros transtornos psiquiátricos e pela dificuldade em estabelecer os limites entre a ansiedade como sintoma acompanhante de outros transtornos e a ansiedade como diagnóstico per se. Cerca de dois terços dos pacientes com diagnóstico de transtorno de ansiedade generalizada têm um diagnóstico adicional do eixo I (fobia social, distimia). Algumas entidades médicas podem apresentar sintomas de ansiedade:
Síndrome carcinoide (H.T.A. e aumento de 5-HIAA e catecolaminas na urina), hipertireoidismo (T3 e T4 elevados, exoftalmia em casos severos), hiperparatireoidismo (aumento de Ca++ sérico e hormônio paratireoidiano e diminuição de fosfato [P]), prolapso de válvula mitral (ecocardiografia), arritmias (EKG), insuficiência coronariana ou infarto agudo do miocárdio (dor peitoral tipo pontada e alterações patológicas no EKG), porfiria aguda (porfobilinogênio na urina), epilepsia do lobo temporal (EEG), Feocromocitoma (ácido vanililmandélico na urina), hipoglicemia (menor que 50 mg/dl), vertigem, supressão de substâncias psicoativas ou intoxicação por anfetaminas ou antidepressivos, Cushing (cortisol plasmático elevado e teste de supressão de dexametasona positivo), síndrome de hiperventilação, depressão, síndrome confusional, tetania, consumo acentuado de nicotina, cafeína e cocaína, tumores cerebrais (no nível do lobo temporal direito e terceiro ventrículo), TEC, AVC, enxaqueca, encefalite, esclerose múltipla, doença de Parkinson, doença de Huntington, doença de Wilson e hipoxia; o uso de Lidocaína e penicilina procaínica também podem induzir ansiedade (Jarrell & Ballenger, 1993; Cummings, 1995).
Em relação à depressão, ambas as entidades apresentam uma comorbidade significativa (25% a 35%): um terço dos pacientes com ansiedade apresentam depressão e um quinto dos pacientes com depressão apresentam ansiedade (ansiedade e depressão mistas segundo CID-10, caracterizada por depressão maior e fobia social, a qual é tratada com RIMAs ou ISRS, ou com associação de antidepressivos e BZD) (Ayuso, 1992; Tyrer et al., 1992). Isso levou alguns autores a propor que esses transtornos sejam considerados como diferentes manifestações de uma diátese subjacente (duas expressões fenotípicas de um mesmo genótipo) (Kendler et al., 1992a; Benkert et al., 1993); e apoiam-se em análises genéticas multivariadas de mulheres que sofrem de depressão e transtorno de ansiedade generalizada e que sugerem uma vulnerabilidade genética para ambos os transtornos (Kendler et al., 1992a). Um estudo familiar mostrou, no entanto, que quando se selecionam os pacientes ansiosos não deprimidos, seus parentes têm um risco acentuado para ansiedade, mas não para depressão (Noyes et al., 1987). Deve-se levar em conta que outra possível explicação para essas taxas de comorbidade é o achado frequente do National Comorbidity Survey de que ter 2 ou mais transtornos psiquiátricos é mais comum do que ter apenas um (80% dos que relataram um transtorno psiquiátrico têm pelo menos outro e mais de 50% dos transtornos foram encontrados em 14% da população) (Kessler et al., 1994).
O alto grau de comorbidade entre ansiedade e transtornos depressivos afeta a decisão terapêutica e o estabelecimento de prognósticos (Andrade, 1992) (tabela 2).
A escala de Hamilton para avaliar sintomas de ansiedade (HAM-A) também permite diferenciar este transtorno da depressão, e até mesmo determinar sua gravidade e avaliar a resposta do paciente à decisão terapêutica (ver capítulo de avaliação) (Hamilton, 1960).
Os transtornos de personalidade podem se apresentar em até 50% dos pacientes (vs. 10% da população geral).
O Transtorno de Ansiedade Generalizada pode ocorrer em pelo menos 2% a 3% da população geral (Weissman et al., 1978). Segundo o estudo ECA, a taxa de prevalência em um ano é de 2,5% a 8%, sendo mais comum em mulheres (3:2) e jovens. O National Comorbidity Study revela taxas de prevalência ao longo da vida de 5,1% (Kessler et al., 1994). Na Colômbia, o Estudo de Saúde Mental com uma amostra de 15.045 entrevistados revela uma prevalência ao longo da vida de 3,1% com maior predominância no sexo feminino (3,5% vs. 2,6%) (Torres & Montoya, 1997). Pode coexistir com depressão (35-52%) e abuso de substâncias psicoativas (31%). Até 25% dos pacientes da atenção primária têm sintomatologia ansiosa como um componente clínico significativo de sua condição (Ayuso, 1992).
Utilizam-se BZD de ação prolongada por curto tempo em doses comparáveis a 15 a 25 mg/dia de Diazepam. Alguns estudos mostram que 50-70% dos pacientes com ansiedade generalizada tratados por 4 a 6 semanas com BZD, mantêm a melhora clínica durante várias semanas após a suspensão do tratamento; a tolerância ao efeito ansiolítico quase nunca se apresenta. No grupo de pacientes que necessitam de tratamento farmacológico prolongado, não há evidência do desenvolvimento de tolerância às ações ansiolíticas das BZD (Rickels & Schweizer, 1990).
A Buspirona, 30-60 mg/dia, por seu início lento de ação terapêutica de até 3 a 4 semanas, costuma ser mais utilizada em tratamentos prolongados com taxas de resposta de até 60% a 80% (Goldberg & Finnerty, 1979; Rickels et al., 1982; Wheatley, 1982; Cohn & Wilcox, 1986). O Diazepam tem mais efetividade em reduzir os sintomas somáticos e a Buspirona, aqueles sintomas relacionados com problemas interpessoais e cognitivos (Rickels et al., 1982; Goldberg & Finnerty, 1982).
Os antidepressivos são iguais ou melhores em eficácia que as BZD no tratamento do transtorno de ansiedade generalizada. São recomendados nas doses empregadas para transtorno do pânico e depressão (Kahn et al., 1986; Rickels et al., 1993a), como é o caso da Clomipramina que demonstrou ser útil em 5 de 10 pacientes ao cabo de 8 semanas e em doses de 250 mg/dia (Wingerson et al., 1992). Os antidepressivos serotoninérgicos (ISRS) demonstraram ser eficazes tanto na depressão sem sintomas de ansiedade quanto na depressão ansiosa.
São úteis também a psicoterapia breve de corte dinâmico, cognitiva ou comportamental (psicoeducação, terapias de relaxamento, reeducação da respiração, técnicas de inundação) (Warshaw et al., 1993).
Transtorno do Pânico
Definição
Jacob Mendes, em 1860, durante a Guerra Civil Americana, utilizou o termo “coração irritável” para se referir a um quadro caracterizado por dor no peito, palpitações e outros sinais cardíacos na ausência de lesões cardíacas. Freud fez referência à “neurose de ansiedade” caracterizada por irritabilidade, expectativa ansiosa, vertigem, parestesias, espasmos cardíacos, sudorese e dificuldades respiratórias, e até mesmo relacionou esse ataque com a agorafobia. Nas classificações categóricas, o Transtorno do Pânico só veio a ser reconhecido como uma entidade independente a partir de 1980, com a publicação do DSM-III (Fyer et al., 1995).
Caracteriza-se pela presença de ataques de pânico recorrentes e inesperados, os quais não se associam a uma situação desencadeante (viajar, ir a lojas, restaurantes, elevadores ou encontrar-se em meio a uma multidão (Uhde et al., 1991)), acompanhados de vários sintomas somáticos como dificuldade para respirar, palpitações e tontura. Pelo menos dois ataques são necessários para o diagnóstico, mas a maioria dos indivíduos apresenta mais. A frequência e gravidade dos ataques de pânico variam amplamente, podendo apresentar episódios longos livres dos mesmos ou apresentar-se em forma de ataques com sintomas limitados (Geraci & Uhde, 1992). Um temor associado aos ataques é que o paciente pode pensar que tem uma entidade séria que comprometerá sua vida, apesar de algumas avaliações médicas que a descartam e da explicação clara do que se padece, e por outro lado o temor de “ficar louco” ou de perder o controle (American Psychiatric Association, 1994) (tabela 3).
Ataques de Pânico
São períodos discretos de medo intenso ou apreensão que podem durar vários minutos. Podem ser inesperados, como no transtorno do pânico, ou apresentar-se durante a exposição ou antecipação de uma situação temida, como nas fobias.
Os ataques de pânico não são exclusivos do transtorno do pânico, podem apresentar-se também em outros transtornos de ansiedade, em transtornos do afeto e em algumas intoxicações ou síndromes de abstinência. Em alguns pacientes, os ataques associam-se a certas situações como utilizar um serviço de transporte público, estar em uma fila, ficar sozinho… (American Psychiatric Association, 1994). Um estudo com automonitoramento contínuo em 94 pacientes com transtorno do pânico e agorafobia permitiu estabelecer algumas características dos ataques: 1) ocorrem predominantemente em situações não fóbicas, 2) são mais severos à noite do que durante o dia, 3) o padrão de sintomas, mesmo no mesmo indivíduo, pode ser altamente variável, e 4) um número substancial de ataques (40%) não apresenta o número de sintomas requeridos pelo DSM-III-R (de Beurs et al., 1994) (tabela 4).
Agorafobia
Medo de estar em lugares ou situações das quais pode ser difícil escapar ou receber ajuda; devido a isso, o paciente evita estar sozinho ou em espaços fechados ou abertos ou viajar sozinho e assume um comportamento evitativo que domina a vida do indivíduo. Pode apresentar-se sozinha ou acompanhando um transtorno do pânico. Um estudo familiar indica que o transtorno do pânico e a agorafobia estão relacionados (componente genético), mas não foi encontrada relação entre o transtorno do pânico e a ansiedade generalizada (Noyes et al., 1986). A gravidade dos ataques de pânico, o número de ataques e uma alta ansiedade antecipatória foram associados ao desenvolvimento fóbico (Buller et al., 1986). A presença de agorafobia levou vários autores a propor 2 subtipos de transtorno do pânico, um com agorafobia e outro sem ela: Pacientes com transtorno do pânico e agorafobia apresentam ataques de pânico mais severos, têm uma idade de início mais precoce, uma maior duração da doença, sintomas mais severos, maior incapacidade e maior comorbidade com outros transtornos psiquiátricos do eixo I e II (Noyes et al., 1990). Além disso, apenas os pacientes com ataques de pânico e agorafobia são sensíveis à infusão com bicarbonato (o que indicaria um comprometimento severo no alarme de sufocação) (Gorman et al., 1989b).
Quando se apresenta de forma isolada, costuma aparecer entre os 15 e 30 anos, manejando o paciente uma ansiedade flutuante entre os episódios; o curso do transtorno é flutuante (se dura mais de 1 ano). Prevalência: 12,6%. É mais comum em mulheres (4:1) (American Psychiatric Association, 1994). A agorafobia tem um componente hereditário importante, já que os parentes de um indivíduo que a sofre têm duas vezes mais risco de apresentá-la comparado com a população geral (Bowman & Nurnberger, 1993) (tabela 5).
Quatro etapas do transtorno do pânico foram relatadas:
- Ataques de pânico repentinos com dispneia, palpitações, dor torácica, ondas de calor e frio… e finalmente medo e parestesias.
- Aparece então a ansiedade antecipatória (medo de sofrer novos ataques), com marcado monitoramento das sensações corporais internas como o movimento intestinal ou o ritmo cardíaco.
- Medo dos lugares onde os ataques ocorrem ou de onde é difícil sair ou encontrar ajuda (comportamento de evitação).
- Finalmente, agorafobia (70%), principalmente naqueles indivíduos com ataques de pânico caracterizados por dor torácica, tremor, dispneia e medo (Kielholz & Adams, 1983).
Além da preocupação com os ataques de pânico e suas consequências, muitos indivíduos relatam também sentimentos de ansiedade intermitentes que não respondem a uma situação determinada.
Embora os pacientes com transtorno do pânico não apresentem alterações significativas no padrão de sono, existe uma variante de apresentação em que os ataques de pânico ocorrem quando o sujeito se encontra na transição das etapas 2 e 3, possivelmente por elevação dos níveis de CO2 (Mellman & Uhde, 1989). Outra variante está presente em algumas mulheres durante o período pré-menstrual, no qual a diminuição de progesterona leva a uma elevação nos níveis de CO2 três dias antes da menstruação (Damas-Mora et al., 1980). Isso explica também por que as mulheres grávidas se encontram protegidas contra os ataques de pânico, os quais se exacerbam no período pós-parto a menos que a mãe amamente seu filho (Halbreich et al., 1986).
O diagnóstico diferencial deve ser feito com a ansiedade devida a uma afecção médica geral ou ao consumo de substâncias, transtorno de estresse pós-traumático, fobia social ou simples, transtorno obsessivo-compulsivo, ansiedade de separação, transtorno delirante e ansiedade generalizada (tabela 6). Os pacientes com suspeita de Transtorno do Pânico devem ser avaliados exaustivamente com vários exames laboratoriais que permitem descartar uma afecção médica geral: hematócrito e hemoglobina, eletrólitos, ureia, creatinina, cálcio sérico, EKG de 24 horas (Holter), ecocardiografia, EEG (em caso de alucinações olfatórias, desorientação ou perda de consciência), TAC ou ressonância magnética (se houver suspeita de esclerose múltipla ou lesões intracerebrais que ocupam espaço), porfobilinogênio, 5-HIAA e MHPG na urina de 24 horas (para descartar síndrome carcinoide ou feocromocitoma), testes tireoidianos (Fyer et al., 1995).
Etiopatogenia
- Hereditariedade: A incidência do transtorno do pânico é de 22-25% nos parentes de primeiro grau de um indivíduo com tal transtorno, comparado com apenas 2% nos controles (Crowe et al., 1983); a incidência familiar chega a ser de 61-67%. Se o indivíduo afetado apresenta transtorno do pânico e depressão concomitantes, o risco nos familiares aumenta para depressão, transtornos de ansiedade e alcoolismo (Bowman & Nurnberger, 1993). Em gêmeos monozigóticos, as taxas de concordância são de 31% vs. 10% em dizigóticos (Torgersen, 1983). Embora tenha sido sugerida uma possível relação com o lócus da alfa-haptoglobulina no cromossomo 16q22, isso não pôde ser replicado (Crowe et al., 1990).
- Achados Fisiológicos: Do ponto de vista fisiopatológico, foram documentadas grande quantidade de hipóteses, algumas delas com achados contraditórios. A hipótese do lactato se sustenta na observação clínica de que pacientes com ansiedade crônica têm uma tolerância diminuída ao exercício, o que leva a pensar em uma anormalidade no metabolismo do lactato (Pitts & McClure, 1967). A administração intravenosa de lactato de Na+ leva à apresentação de ataques de pânico em 50% a 70% dos indivíduos com Transtorno do Pânico vs. 10% dos sujeitos controle (Liebowitz et al., 1984). Adicionalmente, foi descoberto que o grupo de pacientes que reagem ao lactato tem uma melhor resposta ao tratamento do que os que não reagem (Gorman et al., 1994). Posteriormente, Grosz & Farmer indicaram que o íon lactato não se relacionava diretamente com as crises, sendo estas devidas à conversão do mesmo em bicarbonato de sódio, o que produzia uma alcalose (Grosz & Farmer, 1972). Mas, em estudos recentes, foi encontrado que o lactato de Na+ produz efeitos panicogênicos mais por sua capacidade de induzir vasodilatação cerebral, atuando como sinal para o alarme de sufocação, assim como o CO2, e não por seu metabolismo a bicarbonato, o qual, administrado perifericamente, não é suficiente para induzir uma hipercapnia cerebral (Klein, 1993).Por outro lado, os ataques podem ser precipitados pela inalação de CO2 a 5%, 7,5% e 35% em 50% a 80% dos pacientes (devido à ativação de barorreceptores e quimiorreceptores periféricos que enviam o sinal de uma séria disfunção autônoma no nível medular [núcleo do trato solitário], da protuberância [locus coeruleus] e do sistema límbico [sensação de medo]) (Griez et al., 1990). Uma elevação na pCO2 sugere que a sufocação é iminente, daí a hipersensibilidade desses pacientes às concentrações elevadas de dióxido de carbono. O exposto não confirma que o lactato ou o CO2 sejam sempre panicogênicos, pois o exercício que leva a uma hiperlactatemia não tem a capacidade de induzir um ataque de pânico, já que fornece informações que neutralizam o monitoramento da sufocação (é por isso que os ataques de pânico culminam em uma ação de fuga que geralmente os aborta) (Klein, 1993).A hiperreatividade dos pacientes aos efeitos da Ioimbina (antagonista a2) e os efeitos negativos sobre o sistema cardiovascular à Clonidina (agonista a2) assinalados em alguns estudos, indicam que esses pacientes podem ter uma desregulação dos receptores a2-adrenérgicos (Charney & Heninger, 1986a). A Ioimbina (YOCON), maconha, cafeína, anfetaminas e L-dopa, podem estimular diretamente a atividade noradrenérgica levando a uma crise de pânico (Gorman et al., 1994). Outros neurotransmissores que foram implicados na etiologia do Transtorno do Pânico são a serotonina (que diminui a respiração estimulada pelo CO2) (Charney et al., 1987), a colecistocinina (com níveis diminuídos no LCR em resposta à sensibilização do receptor de CCK no SNC (Lydiard et al., 1992; Bradwejn et al., 1991), os opiáceos (que diminuem a sensibilidade à sufocação) (Klein, 1993) e a adenosina (daí os efeitos ansiogênicos da cafeína e metilxantinas, que exercem um efeito antagonista no receptor da adenosina) (Boulenger et al., 1984). Foi documentada também a alteração na sensibilidade dos receptores benzodiazepínicos, em especial no nível do locus coeruleus direito (Nutt et al., 1990; Roy-Byrne et al., 1990). No entanto, Klein considera que o que esses compostos desencadeiam é medo e não pânico, com ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Assim, os antidepressivos com ação antipânico não bloqueiam os ataques desencadeados por Ioimbina ou cafeína, caso em que o Diazepam é mais eficaz (Klein, 1993). Para Westberg et al., a ativação do eixo HHA com a subsequente elevação de cortisol e TSD anormal, está em relação com a agorafobia e não com o ataque de pânico em si (Westberg et al., 1991).
Uma evidência objetiva de hiperatividade simpática (níveis normais ou discretamente elevados de noradrenalina ou de ACTH em resposta à administração de CRH) ou hipofuncionamento do sistema parassimpático tem sido difícil de documentar em estudos controlados (Rappaport et al., 1989; Stein & Asmundson, 1994; Bertani et al., 1997); a taquicardia presente nos pacientes com transtorno do pânico tem sido considerada como um artefato da situação experimental e atribuível à ansiedade antecipatória (Roth et al., 1992). Em apoio a essa teoria, estariam os achados de recuperação de diversas medidas cardiovasculares (derivadas espectrais da variabilidade da frequência cardíaca, resposta da pressão arterial à posição supina e normalização de níveis de noradrenalina plasmática) após a melhora clínica com Imipramina ou terapia cognitiva que sugeririam mudanças na modulação barorreflexa (Middleton & Ashby, 1995). A administração de CO2 a 35% de forma frequente leva à habituação e desaparecimento dos ataques de pânico. As medicações eficazes no transtorno do pânico diminuem a sensibilidade ao CO2 (van den Hout et al., 1987).
Existe uma interessante hipótese integrativa formulada por Klein, D.F., sustentada pela revisão de vários artigos que permitem afirmar que o Transtorno do Pânico é devido a sinais errôneos sobre falta de ar que alteram o monitoramento da sufocação pelo cérebro (sistema de alarme de sufocação) e acarretam uma sensação de dispneia e hiperventilação consequente. O transtorno do pânico é frequente entre pacientes com doenças respiratórias ou apneias do sono. Outros sintomas como as palpitações, ao contrário da dispneia, podem apresentar-se também em pacientes com transtorno de ansiedade generalizada (Klein, 1993).
Uma hipótese como a diminuição no limiar do alarme de sufocamento explicaria também o efeito panicogênico da hipoxia na ausência de hipercapnia, e iria além da ação de quimiorreceptores que detectam a elevação do CO2. A hiperventilação crônica, os suspiros e bocejos que levam a uma profunda inspiração, diminuem abruptamente os níveis de CO2, longe do limiar do alarme de sufocamento. Os antidepressivos como a Imipramina podem normalizar o limiar do alarme de sufocamento, por isso são utilizados na asma e nas síndromes de hiperventilação (Klein, 1993; Briggs et al., 1993). Nesse sentido, um estudo com Imipramina em 63 pacientes com transtorno do pânico com agorafobia de 8 semanas de duração, revelou que o medo, a sensação de desrealização e os sintomas respiratórios (dispneia e sufoco), exibem o mais alto grau de diferenciação precoce entre as doses efetivas e inefetivas da droga, enquanto palpitações, calafrios e sudorese têm um efeito mais pronunciado após as 4 semanas de tratamento (Mavissakalian, 1996).
- Neuroimagens: Na avaliação com PET e SPECT, observa-se um aumento assimétrico do fluxo sanguíneo cerebral no nível da área parahipocampal direita e pré-frontal inferior em pacientes que não apresentavam crise alguma durante o exame (Reiman et al., 1989; Gorman et al., 1989a). A RM revela maior número de anormalidades no nível do lobo temporal em pacientes com transtorno do pânico comparados com controles saudáveis. Nesse sentido, existem vários relatos de casos nos quais se sugere uma disfunção do lobo temporal direito ou parietal direito associada a crises parciais complexas que se manifestam através de crises de ansiedade (não propriamente crises de pânico) (Devinsky et al., 1989; Alemayehu et al., 1995). As anormalidades do EEG em pacientes com ataques de pânico atípicos envolvem ambos os lobos temporais (Endlund et al., 1987).
Epidemiologia
Inicia-se geralmente aos 20 anos; alguns antes dos 10 anos (6-13%) e outros entre os 15-19 anos (30%); um pico entre os 35 e 40 anos pode ser observado. Prevalência: 1,6-3,5% (embora 7% da população experimente pelo menos um ataque de pânico) (Kessler et al., 1994) e 2% a 6% (Myers et al., 1984). Nos Estados Unidos, um estudo epidemiológico informou uma prevalência ao longo da vida de 1,6% para transtorno do pânico não complicado, 12,6% para transtorno do pânico com agorafobia e 2,8% para transtorno do pânico com fobia social concomitante (Eaton et al., 1994). Na Colômbia, não existem dados confiáveis sobre a prevalência do transtorno.
O transtorno puro apresenta-se igualmente em homens e mulheres e é diagnosticado duas vezes mais do que quando se manifesta com agorafobia; neste caso, a proporção é maior nas mulheres (3:1).
Pode ocorrer um transtorno depressivo concomitante em 40-80% dos pacientes (com maior risco suicida pelo temor à perda do controle); além disso, pacientes com histórico de depressão apresentam sintomas mais severos e de apresentação matutina ou no início da tarde. A depressão costuma anteceder o transtorno do pânico em quase um terço dos indivíduos (Breier et al., 1984). A comorbidade com outros transtornos de ansiedade também é comum, especialmente se houver agorafobia associada: a própria agorafobia é encontrada em 6% a 60% dos pacientes (Klerman, 1992); a fobia social foi relatada em 15-30% dos indivíduos, o transtorno obsessivo-compulsivo em 8-10%, a fobia simples em 10-20% e o transtorno de ansiedade generalizada em 25% (American Psychiatric Association, 1994). Alguns autores afirmam que o transtorno do pânico piora durante a gravidez (Northcott & Stein, 1994), mas isso é refutado por outros (Villeponteaux et al., 1992). Nessa situação, recomenda-se a diminuição e suspensão das BZD, se o quadro clínico permitir; caso contrário, a administração de BZD não deve ser considerada uma contraindicação absoluta.
Alguns transtornos somáticos associam-se frequentemente com o transtorno do pânico: a experiência clínica e relatórios recentes (NIMH-EAC) sugerem que há uma alta prevalência de sintomas gastrointestinais (síndrome do intestino irritável) (Lydiard et al., 1994) e hipocondria (Keller & Baker, 1992); 15-38% dos pacientes apresentam prolapso da válvula mitral (vs. 5-5,3% da população geral) (Warshaw et al., 1993).
Finalmente, os pacientes com transtorno do pânico têm taxas mais altas de morbidade que a população geral, apresentando marcada incapacidade laboral, disfunção social, saúde deficiente, maiores atendimentos de urgência, abuso de álcool e tentativas de suicídio com um risco próximo de 20% (Markowitz et al., 1999).
Tratamento (Terapêutica)
Pacientes com Transtorno do Pânico costumam ser menos tolerantes aos efeitos secundários dos medicamentos, os quais são interpretados como sinais de alarme; por isso, recomenda-se iniciar com doses baixas, esperando entre 3 e 6 semanas para observar um efeito antipânico e antifóbico (Noyes et al., 1986). Os sintomas de evitação fóbica costumam melhorar um tempo depois dos outros sintomas do transtorno do pânico. Os medicamentos considerados como primeira opção para o manejo do transtorno são os antidepressivos, com resultados variáveis: A Imipramina tem sido a mais usada e a mais investigada desde que foi utilizada para esse fim por Klein & Fink em 1962 (Klein & Fink, 1981). O estudo do pânico realizado em 14 países em 1992 com 1.168 pacientes, utilizou Imipramina (155mg), Alprazolam e placebo; ao final do estudo, as medicações ativas foram superiores ao placebo, sem diferença entre ambas, mas com um menor número de recaídas no grupo que tomava Alprazolam (Marks et al., 1992). A Imipramina deve ser iniciada com doses baixas de 10 a 25 mg para evitar a “resposta de ativação” presente em até 18% dos pacientes e consistente em inquietude, sudorese, palpitações, ansiedade… (Zitrin et al., 1978) e deve ser aumentada gradualmente até uma dose de 150 a 300 mg/dia ou 1,5 a 3 mg/kg/dia (N.S. = > 140 ng/ml.) (Aronson, 1987; Mavissakalian & Perel, 1995). Doses elevadas de Imipramina e Alprazolam são necessárias para reduzir a evitação fóbica (Lesser et al., 1992; Mavissakalian & Perel, 1995). Podem-se esperar respostas marcadas da ordem de 74% com Imipramina mais terapia comportamental vs. apenas 20% com placebo (Zitrin et al., 1980; 1983). Os achados clínicos com Imipramina foram corroborados em laboratório pela diminuição das crises induzidas por CO2 em pacientes com transtorno do pânico (Woods et al., 1990).
Também foram documentados resultados favoráveis com Desipramina, especialmente se forem obtidos níveis plasmáticos de 100 a 150 mcgr./ml. (Mavissakalian et al., 1984; Ballenger, 1991). A Fenelzina demonstrou ser tão eficaz quanto a Imipramina, podendo ser iniciada com 15 mg/dia até atingir doses de 75-90 mg/dia, assim como a Tranilcipromina, 30-50 mg/dia, a Brofaromina (Garcia-Borreguero et al., 1991; Bakish et al., 1993; van Vliet et al., 1996) e a Clomipramina, 10-75 mg/dia, a qual deve ser iniciada em doses muito baixas porque pode agravar a ansiedade na primeira semana (Gloger et al., 1981; 1989). Com Clomipramina, foi realizado um estudo comparativo com Imipramina e placebo, encontrando-se uma redução significativa dos ataques de pânico em 4 semanas vs. 8 semanas com Imipramina (p = 0.0004), diminuição dos ataques de ansiedade nos períodos intercríticos (p < 0.002) e manutenção da eficácia após 12 a 24 meses (McTavish & Benfield, 1990). Outro estudo controlado com placebo mostrou que a Clomipramina é mais eficaz e potente que a Imipramina no Transtorno do Pânico quanto à magnitude dos ataques (p < 0.001), o número de ataques (p < 0.002) e a ansiedade entre os ataques (p < 0.0002) (Modigh et al., 1992).
A serotonina tem um papel importante nos mecanismos que medeiam as crises de pânico, possivelmente por diminuir a respiração estimulada por CO2 e porque se demonstrou um aumento na recaptação de serotonina após a administração de lactato ou a inalação de CO2 (Lingjaerde, 1985). Existem vários estudos que demonstram a eficácia de vários ISRS: A Fluoxetina, iniciando com doses baixas (5 a 10 mg/dia) (Gorman et al., 1987; Schneir et al., 1990), Sertralina, embora em menor medida que a Paroxetina (Bertani et al., 1997), Paroxetina (Judge et al., 1993; Oehrberg et al., 1995; Bertani et al., 1997; Ballenger et al., 1998) e Citalopram (Humble & Wistedt, 1992). A Fluvoxamina, 150 mg/dia, demonstrou ser superior ao placebo e à terapia cognitiva (Hoehn-Saric et al., 1993; Black et al., 1993; van Vliet et al., 1996). Inclusive, Boyer sugere, a partir de uma metanálise sobre o tamanho do efeito através dos estudos, que os ISRS podem ser mais eficazes que os ADTs ou as BZDs no controle do transtorno do pânico (Boyer, 1995).
Amitriptilina e Nortriptilina também poderiam ser eficazes (Ballenger, 1986). A Trazodona mostrou-se menos eficaz que a Imipramina ou o Alprazolam (Charney et al., 1986b). Medicamentos como Desipramina, Bupropiona ou Maprotilina, que carecem de efeito serotoninérgico, não são eficazes (Sheehan et al., 1983). A Brofaromina foi mais eficaz que a Clomipramina na redução dos escores de agorafobia em um estudo duplo-cego comparativo com 93 pacientes (Bakish et al., 1993).
Em geral, o tratamento farmacológico do transtorno do pânico permite a diminuição do número de ataques ao longo da vida. Assim, 61% dos pacientes em um estudo naturalístico de 4 anos apresentaram ataques de pânico ocasionais com a medicação, 16,7% evitação fóbica, 7,9% incapacidade laboral, 8,7% incapacidade familiar e 13,9% incapacidade social. A duração prolongada do transtorno e a evitação fóbica severa antes de iniciar o tratamento foram preditores de um prognóstico desfavorável (Katschnig et al., 1995).
Os antidepressivos podem ser associados a BZD para o controle da ansiedade antecipatória: Alprazolam, iniciando com 0,25 a 0,5 mg a cada 8 horas, e aumentando 0,25 a 0,5 mg/dia até atingir doses de manutenção que variam entre 2 e 8 mg/dia, divididos em 4 tomadas, demonstrou ser mais eficaz que o placebo na redução dos ataques de pânico (50% vs. 28%) (Ballenger et al., 1988); essa efetividade se mantém após 6 meses, como mostra um estudo comparativo com Imipramina e placebo, sem necessidade de aumentar as doses (Schweizer et al., 1993). O Alprazolam também se mostrou eficaz em reduzir o número de ataques de pânico precipitados por inalação de CO2 a 35% (10% vs. 70% com placebo) (Sanderson et al., 1994). No entanto, embora outros estudos mostrem a boa resposta ao Alprazolam sem efeito de tolerância a longo prazo, a descontinuação do mesmo leva à reaparecimento de sintomas (Rickels et al., 1993b; Nutt, 1998). O Diazepam em doses de 20 a 60 mg/dia parece ser tão eficaz quanto o Alprazolam, mas produz sedação acentuada (Dunner et al., 1986). O Clonazepam também se mostrou tão eficaz quanto o Alprazolam, inclusive na prevenção de crises de pânico induzidas pela inalação de CO2, com a vantagem de sua vida média longa, devendo ser iniciado com 0,25 mg a cada 12 horas até atingir doses de 1 a 3 mg/dia em 1 ou 2 tomadas (dose máxima: 6 mg) (Beckett, A. et al., 1986; Tesar et al., 1991). Em pacientes que apresentam sintomas de abstinência com Alprazolam, é preferível mudá-los para Clonazepam (Patterson, 1990). Também se utilizam terapia de relaxamento, técnicas de controle respiratório (de Beurs et al., 1995), terapias de exposição e técnicas cognitivas que demonstraram ser eficazes na redução dos ataques de pânico e da evitação. A aplicação apropriada da terapia cognitivo-comportamental requer uma análise cuidadosa das cognições e comportamentos do paciente, da prática de cognições alternativas e exposição às situações temidas de forma gradual. A maioria das intervenções cognitivas requer de 12 a 20 sessões de 1 hora, divididas em 3 a 6 meses, com sessões de acompanhamento para prevenir a recaída (Barlow, 1990). Em pacientes refratários aos ADT ou ISRS isolados, a terapia cognitivo-comportamental pode ser associada. Inclusive, um estudo de Bruce et al., permitiu observar como aqueles pacientes com tratamento cognitivo-comportamental apresentaram menos episódios de ansiedade antecipatória, menor intensidade nos mesmos, menor número de pensamentos catastróficos, menor incapacidade e um grande senso de controle pessoal de suas emoções quando o Alprazolam foi descontinuado, em contraste com aqueles que apenas tomavam a BZD; a ponto de os pacientes que receberam terapia cognitivo-comportamental permanecerem após 3 a 6 meses sem droga em uma proporção 13,5 vezes superior àqueles que não a receberam (Bruce et al., 1995).
Após um período livre de sintomas de 6 a 12 meses, pode-se tentar a redução da medicação; 20% a 80% dos pacientes podem recair (Ballenger, 1992) e, então, necessitar de tratamento prolongado, às vezes com a adição de baixas doses de 0,5-1 mg/dia de Alprazolam ou Clonazepam à terapia com antidepressivos, sem que isso implique o desenvolvimento de um padrão de abuso de BZD (Rifkin et al., 1989). A terapia cognitivo-comportamental pode ser útil para iniciar a descontinuação das BZD (Otto et al., 1993). Após 6-10 anos pós-tratamento, cerca de 30% dos indivíduos terão se recuperado completamente, 40-50% melhorarão, mas continuarão com alguma sintomatologia, e os restantes 20-30% permanecerão iguais ou piorarão.
Alguns preditores de uma boa resposta ao tratamento são: 1) melhora precoce do número de ataques de pânico espontâneos; 2) baixos níveis no HAM-A e HAM-D; 3) baixos níveis de sintomas fóbicos; 4) ausência de transtorno de personalidade comórbido (Albus et al., 1990). Os pacientes que não respondem ao tratamento têm uma alta pontuação no Fear Questionnaire, o que indica um maior número de sintomas fóbicos comórbidos (Slaap et al., 1995).
Transtorno de Ansiedade Social
Definição
Janet, em 1903, dividiu as fobias em 3 tipos: corporais, a objetos e situacionais. A subdivisão de Marks, em 1966, em agorafobia, fobia simples e fobia social, deu origem às classificações atuais do DSM e do CID.
O paciente evita situações sociais nas quais se sente escrutinado por outros por temor à humilhação (a fazer algo embaraçoso) quando fala, come, urina, escreve ou responde a perguntas na frente de outros. Diante de tais situações, apresenta uma resposta ansiosa persistente durante toda a apresentação das mesmas, reconhecendo que seu temor é irrazoável (tabela 7).
Os pacientes costumam consultar apenas inicialmente entre os 15 e 30 anos (apesar de ser tão incapacitante). Em menores de 18 anos, o diagnóstico só é feito se os sintomas persistirem por mais de 6 meses. Indivíduos com fobia social costumam apresentar ainda hipersensibilidade à crítica, rejeição às avaliações, dificuldade em ser assertivo e baixa autoestima ou sentimentos de inferioridade. O temor pode manifestar-se nas avaliações indiretas por parte de outros, como um exame ou teste. A ansiedade acompanha as situações em que o indivíduo deve se apresentar diante de outros (mãos frias, tremor, voz enfraquecida), assim como uma pobreza nas relações interpessoais (pouco contato visual) (Liebowitz et al., 1985).
Em crianças, pode manifestar-se como choro, birras, imobilidade, apego a uma pessoa familiar e interações inibidas (às vezes mutismo) presentes não só com adultos, mas também com outras crianças de sua idade.
Subtipos: Generalizada (68%), quando o temor se relaciona com várias situações sociais como assistir a reuniões sociais, lidar com figuras de autoridade, falar com estranhos e perguntar direções, entre outras. Circunscrita (32%): falar em público ou diante de estranhos (42,1%), comer em público (24,7%), escrever em público, usar serviços sanitários públicos ou ser o centro das atenções (Uhde et al., 1991; Lewis, 1994). Manuzza et al. encontraram uma boa confiabilidade no diagnóstico de fobia social generalizada como diagnóstico independente (k = 0,69) (Manuzza et al., 1995).
Muitos pacientes com fobia social também apresentam critérios para um transtorno de personalidade esquiva, depressão e abuso de substâncias (Liebowitz et al., 1985). Mesmo em sua forma não complicada, ou embora não se apresente com um transtorno comórbido, a fobia social tem sido associada a altas taxas de ideação suicida, baixo percentual de casamentos (37% de indivíduos com fobia social não generalizada e 64% de indivíduos com fobia social generalizada não eram casados na amostra populacional de Manuzza et al.), baixo nível de educação, dependência econômica e dependência para a busca de ajuda, o que leva a altos níveis de incapacidade social (Schneier et al., 1992; Wells et al., 1994; Manuzza et al., 1995). Em 35-38% dos pacientes, apresenta-se em comorbidade com depressão [Transtorno depressivo maior de características atípicas (36% de indivíduos com fobia social generalizada e 13% com fobia social não generalizada) ou distimia (15%)], em 25% com alcoolismo (mais frequente em fobia social generalizada), em 13% com abuso de drogas, em 60% com transtorno de personalidade evitativa, em 59% com fobia simples e em 5,2% com transtorno de personalidade dependente (5,2%) (Versiani & Nardi, 1994; Lewis, 1994; Manuzza et al., 1995).
Etiopatogenia
Não foi possível determinar uma etiologia específica para as fobias, mas existem várias teorias que de alguma forma explicam as possíveis causas do transtorno: evolucionárias (etológicas), por mecanismos clássicos de condicionamento e modelagem, fatores cognitivos, hipersensibilidade à rejeição e ao criticismo (por mediação dopaminérgica e serotoninérgica?) (Liebowitz et al., 1992; Tancer, 1993) e hiperreatividade simpática mediada por receptores beta-adrenérgicos (Liebowitz et al., 1985). No entanto, os eixos hipotálamo-hipófise-adrenal e hipotálamo-hipófise-tireoide são comparáveis em resposta aos sujeitos controles quando submetidos a estimulantes como o CRH e TRH respectivamente (Tancer et al., 1990; Potts et al., 1991).
Tem-se hipotetizado que as emoções atuam como reforçadores negativos de padrões de comportamento que aumentam a probabilidade de sobrevivência do organismo. A liberação original das emoções diante dos estímulos está relacionada com reflexos de sobrevivência básicos do hipotálamo; no entanto, esses reflexos podem ser condicionados por associação com estímulos neutros. Assim, na ausência da liberação original do estímulo, essas emoções aprendidas aumentam a frequência do comportamento orientado à sobrevivência. A estimulação aversiva evoca uma resposta emocional negativa que convida o organismo a escapar da mesma e a evitar qualquer estímulo associado no futuro. Se esses estímulos são inevitáveis, ocorre uma reação de estresse (Richardson, 1993). Outros autores propõem que a inibição comportamental, reação consistente em temor intenso a pessoas, locais ou objetos pouco familiares, pode ser de grande risco para a apresentação de vários transtornos de ansiedade como agorafobia e fobia social (Rosenbaum et al., 1994). Do ponto de vista genético, Abby Fyer et al. encontraram um risco relativo de apresentar um transtorno de ansiedade 3 vezes maior para os parentes de primeiro grau de um sujeito com fobia social do que para os pacientes controles (Fyer, et al., 1994). O transtorno de ansiedade mais frequentemente encontrado nos parentes de primeiro grau de indivíduos com fobia social generalizada é a própria fobia social (16% vs. 6% dos controles (p < 0,05), que pode aumentar para 36% quando incluídos todos os familiares) (Manuzza et al., 1995). Embora a genética desempenhe um papel importante, não o faz na magnitude de outros transtornos psiquiátricos, deixando as situações ambientais como principais geradores. A concordância em gêmeos monozigóticos é de apenas 40% para as fobias em geral (23,3% para a agorafobia, 25% para as fobias simples e 24,4% para a fobia social) (Rosenbaum et al., 1994). Kendler encontrou igualmente taxas de concordância de 24% para monozigóticos e de 15% para dizigóticos (Kendler et al., 1992b).
Epidemiologia
A fobia social é um transtorno crônico de longa duração e início na infância (14 +/- 7 anos), embora com idades de início tão variáveis como 4 a 5 anos e 39 a 40 anos, sendo mais precoces em indivíduos com fobia social generalizada (10,9 anos) (Manuzza et al., 1995). Prevalência: 0,9% a 1,7% em homens e 2,6% para mulheres (Myers et al., 1984; Lewis, 1994). A incidência anual foi estimada em 9/1000 segundo o estudo ECA (Wells et al., 1994). Na Colômbia, o Estudo de Saúde Mental com uma amostra de 15.045 entrevistados revela uma prevalência ao longo da vida de 3,8% para fobias em geral com maiores taxas de prevalência em mulheres (6,7% vs. 1,2%) (Torres & Montoya, 1997).
Tratamento (Terapêutica)
Terapia cognitivo-comportamental com reeducação cognitiva, dessensibilização sistemática e treinamento em relaxamento (Heimberg & Barlow, 1991). Do ponto de vista farmacológico, foram utilizados os IMAOs reversíveis ou não como primeira alternativa: A Fenelzina, em doses de 45 a 60 mg/dia, demonstrou ser superior ao placebo e aos betabloqueadores (64% vs. 23% e 30% respectivamente) (Liebowitz et al., 1988; 1992) e de eficácia similar à Moclobemida (Versiani et al., 1992) e à terapia cognitivo-comportamental (Gelernter et al., 1991). A Moclobemida, em doses de 600 mg/dia, também mostrou efetividade superior ao placebo (54% vs. 13%) (Versiani et al., 1992); a Tranilcipromina tem sido usada em doses de 45 mg/dia (Versiani et al., 1988; Liebowitz et al., 1992; Marshall et al., 1994). Os ISRS têm sido utilizados quando o transtorno se apresenta em comorbidade com transtorno depressivo [Depressão mista]), embora pudessem ser eficazes em fobia social pura (Black et al., 1992; Katzelnick et al., 1995). O Alprazolam (3 a 8 mg/dia) e o Clonazepam (5 mg/dia por 6 meses) foram utilizados com resultados de melhora moderada a marcadamente superiores ao placebo (Lydiard et al., 1988; Reiter et al., 1990; Davidson et al., 1993a, 1994), Propranolol, 10-40 mg, 30 minutos antes da situação fóbica em fobia social não generalizada, dá bons resultados (Marshall et al., 1994).
Transtorno Fóbico Simples
Definição
O paciente evita um objeto ou situação reconhecida pelo indivíduo como irracionalmente atemorizante, que desperta nele uma reação ansiosa desproporcional em sua presença ou quando antecipa seu encontro. Longe dele (ou dela), o sujeito não apresenta ansiedade (tabela 8). As fobias simples também podem envolver aspectos como perda de controle, pânico e desmaio na presença do objeto ou situação atemorizante. Em poucas ocasiões, a pessoa tenta enfrentá-lo, mas à custa de uma marcada ansiedade. Se a fobia não causa um marcado mal-estar ou não interfere significativamente com sua funcionalidade, o diagnóstico não deverá ser feito.
Apresenta-se desde a infância ou na idade adulta; a idade de início varia de acordo com o tipo de fobia: 7 anos para a fobia animal, 9 anos para a fobia a conteúdos hemáticos, 12 anos para a fobia dental, 20 anos para a claustrofobia e a agorafobia (Öst, 1987). Em crianças, manifesta-se como choro, birras, imobilidade ou apego. As crianças muitas vezes não reconhecem que o medo é irrazoável e expressam pouco mal-estar por ter uma fobia simples.
É mais comum em mulheres que em homens (especialmente os tipos animal e ambiental) (2:1); uma proporção inversa foi encontrada para a fobia a alturas, segundo o estudo ECA. O componente familiar é encontrado em 73% dos pacientes com fobia social vs. 29% dos sujeitos controles, com tendência à apresentação da mesma fobia dos pais. O risco é, portanto, de 31% para os parentes de primeiro grau vs. 11% para os controles (Fyer et al., 1990). Prevalência: é o transtorno mais frequente segundo o estudo ECA com taxas de 6 meses de 4,5% a 11,8% (Myers et al., 1984) e >6% em 1 mês (Regier et al., 1988). A fobia a conteúdos hemáticos tem uma prevalência de 3% a 4,5% segundo Öst, com uma proporção similar para homens e mulheres e marcados antecedentes familiares, e é a única que se acompanha de hipotensão mais do que de elevação da pressão arterial (Öst, 1987).
Temores Fóbicos Mais Frequentes (Vallejo, 1991)
- Acrofobia: Medo de lugares altos.
- Aicmofobia: Medo de objetos pontiagudos.
- Algofobia: Medo da dor.
- Apitofobia: Medo de abelhas.
- Brontofobia: Medo de trovões.
- Ceraunofobia: Medo de relâmpagos.
- Cinofobia: Medo de cães.
- Clitofobia: Medo de espaços pequenos.
- Dismorfofobia: Medo de deformidade.
- Dromofobia: Medo de atravessar ruas.
- Entomofobia: Medo de insetos.
- Ereutofobia: Medo de corar.
- Fobofobia: Medo de sofrer angústia.
- Gefirofobia: Medo de atravessar pontes.
- Gelofobia: Medo de gatos.
- Misofobia: Medo de contágio.
- Muridofobia: Medo de ratos.
- Neofobia: Medo do novo.
- Nictalofobia: Medo da noite.
- Nosofobia: Medo de doenças.
- Ofidiofobia: Medo de serpentes.
- Queimofobia: Medo de tempestades.
- Tafiofobia: Medo de ser enterrado vivo.
- Tanatofobia: Medo da morte.
- Teniofobia: Medo de vermes (lombrigas).
- Traumatofobia: Medo de ter um acidente.
- Zoofobia: Medo de animais.
Tratamento (Terapêutica)
Terapia de exposição gradual ao elemento fóbico, com execução de técnicas de relaxamento e de respiração. O tratamento com realidade virtual promete ser uma alternativa no manejo das fobias específicas. Dez pacientes com acrofobia participaram de um estudo de 8 semanas com um tratamento de exposição utilizando a tecnologia da realidade virtual. Este grupo melhorou significativamente em medidas de ansiedade e evitação associadas à exposição a alturas em comparação com 7 pacientes que estavam em lista de espera (Rothbaum et al., 1995).
Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC)
Definição
O TOC foi descrito pela primeira vez por Esquirol em 1838 e foi considerado como uma variante ou um pródromo da esquizofrenia por Westphal e Bleuler (Insel & Akiskal, 1986). No início do século XX, Pierre Janet relatou as primeiras tentativas de manejo de pacientes com TOC utilizando técnicas comportamentais, o que levou ao desenvolvimento de técnicas de exposição e prevenção de resposta para reduzir os rituais compulsivos (Jenike, 1995).
Caracteriza-se por ideias, pensamentos, impulsos ou imagens intrusivas, repetitivas e inapropriadas, não próprias da vida cotidiana, sobre contaminação, dúvida, disfunção corporal, ordem-simetria, agressão, sexualidade, temas religiosos (escrupulosidade), somáticas, miscelâneas, múltiplas… (obsessões), reconhecidas como próprias pelo paciente, que causam grande mal-estar ou ansiedade e persistem apesar das tentativas de evitá-las ou neutralizá-las. As obsessões costumam ser acompanhadas de comportamentos ritualísticos ou condutas repetitivas (compulsões) e/ou atos mentais (pensamentos compulsivos) de verificação, lavagem/limpeza, contagem, repetição, ordenamento, acumulação… em uma tentativa de neutralizar o mal-estar ou ansiedade que aquelas geram ou prevenir a ocorrência de um evento temido (Rasmussen, 1992) (tabela 9).
No entanto, as compulsões, mais do que liberar o paciente da ansiedade, eventualmente produzem mais mal-estar, já que não têm um objetivo diferente do de tentar neutralizar as obsessões ou do de realizar uma série de ações estereotipadas e rígidas sem motivo conhecido; tal mal-estar é particularmente evidente quando o indivíduo, reconhecendo o irracional de seus atos, tenta controlá-los. Em alguns pacientes, os pensamentos negativos são tão intensos e intrusivos que são percebidos como vozes interiores acusatórias ou imperativas (pseudoalucinações). 80% dos pacientes apresentam obsessões e compulsões; cerca de 15% apenas obsessões e o restante compulsões sem obsessões identificáveis (Jenike, 1995). Embora um grupo de pacientes geralmente tenha consciência do inapropriado de seus medos e do excessivo de seus rituais e, por isso, estejam convencidos de que o que temem não vai ocorrer (40%), outros têm algumas ideias supervalorizadas com incerteza ou até mesmo certo nível de certeza de que as consequências temidas se apresentarão (56%). 4% podem estar absolutamente convencidos da ocorrência dos eventos temidos e se enquadrariam no subtipo “TOC com poor insight” (ideias delirantes de tipo obsessivo) (Insel & Akiskal, 1986; Foa & Kozak, 1995). A evitação fóbica, adicionalmente, pode complicar o quadro clínico e está relacionada com o tipo de obsessão ou compulsão (os pacientes, por exemplo, podem evitar tocar as maçanetas das portas, apertar as mãos, manusear dinheiro e usar banheiros públicos).
Além dos critérios diagnósticos do DSM-IV ou de versões anteriores, existem uma grande quantidade de escalas para o diagnóstico ou acompanhamento do transtorno. A mais representativa, sem dúvida, é a Y-BOCS (Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale), a qual oferece uma lista de sintomas para obsessões e compulsões e permite quantificar a magnitude do transtorno (Goodman et al., 1989b). Utilizando a Y-BOCS, Foa & Kozak encontraram, em 431 pacientes com TOC, segundo critérios do DSM-III-R, que 80% apresentavam compulsões comportamentais e mentais (compulsões mistas), 20% compulsões comportamentais isoladas e 1% compulsões mentais isoladas (Foa & Kozak, 1995).
É importante fazer diagnóstico diferencial com outros transtornos do eixo I e II que cursam com alguma sintomatologia obsessivo-compulsiva e que, além disso, podem apresentar-se de forma comórbida: transtorno de ansiedade generalizada, transtornos afetivos com elementos obsessivos, esquizofrenia e outros transtornos psicóticos, fobia específica, transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva, hipocondria, transtorno dismórfico corporal, anorexia, transtorno de despersonalização, parafilias, tricotilomania, jogo patológico, cleptomania, compra compulsiva, transtornos por tiques, transtorno de Tourette, coreia de Sydenham e autismo (Baer et al., 1990; Pigott et al., 1994; Hollander & Wong, 1995; Liebowitz, 1997).
Etiopatogenia
O TOC constitui um modelo de transtorno neuropsiquiátrico pela coesão da sintomatologia, a evidência de alterações serotoninérgicas no SNC (os receptores 5-HT1D desempenham um papel importante na patogênese do transtorno), a disfunção das vias tálamo-orbitostriatais e a participação de fatores traumáticos ou infecciosos em alguns casos (Liebowitz, 1997). A desregulação serotoninérgica tem sido considerada como a principal causa do TOC com base em estudos farmacológicos (com Clomipramina) e nos níveis elevados de 5-HIAA no LCR (Thoren et al., 1980; Zohar et al., 1987).
No entanto, os estudos genéticos do TOC são contraditórios devido a diferentes critérios diagnósticos e à não inclusão de grupos controle. Não existem dados de adoção no TOC, e embora estudos com gêmeos sugiram alguma influência genética, as amostras costumam ser pequenas. Outro inconveniente é a utilização de abordagens dimensionais mais do que categoriais que não permitem apreciar com precisão as taxas de concordância para TOC exclusivamente. Clifford e colaboradores encontraram uma modesta hereditariedade em uma amostra de gêmeos não selecionados (Plomin et al., 1997).
Epidemiologia
Devido à natureza egodistônica do transtorno em suas fases iniciais e ao fato de os pacientes costumarem esconder sua sintomatologia dos demais, acreditava-se há alguns anos que a prevalência do transtorno era tão baixa quanto 0,05%, mas estudos mais recentes mostram uma prevalência tão alta quanto 0,9% a 2,2% (Rapoport, 1989; Swedo et al., 1989). Na Colômbia, o Estudo de Saúde Mental com uma amostra de 15.045 entrevistados revela uma prevalência ao longo da vida de 3,6% sem diferenças entre os sexos, com dois picos de maior prevalência em indivíduos entre 50 e 60 anos (6,2%) e em indivíduos entre 20 e 24 anos (4,6%) (Torres & Montoya, 1997).
A idade média para o início dos sintomas é de 15 anos (10 a 23 anos), mas os pacientes só iniciam a busca por tratamento aos 24 anos em média (estima-se que apenas 20% dos indivíduos com TOC estejam em tratamento (Rasmussen & Eisen, 1992)). Segundo dados da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, o TOC constitui a 10ª causa de incapacidade no mundo depois da depressão maior, do uso de álcool, do transtorno bipolar e da esquizofrenia, entre outros (Liebowitz, 1997). Embora não tenha sido confirmado, um estudo documentou a associação de gravidez com o início do TOC em 52% das mulheres estudadas (Neziroglu et al., 1992).
A comorbidade com outros transtornos psiquiátricos é frequente em pacientes com TOC. Depressão, fobia específica, fobia social, transtornos alimentares, abuso ou dependência de álcool, transtorno do pânico e transtorno de Tourette figuram entre os transtornos comórbidos mais frequentes do TOC (Rasmussen et al., 1988).
Tratamento (Terapêutica)
A primeira abordagem farmacológica para o tratamento do TOC foi com a administração de Clomipramina (150 a 300 mg/dia), que provou ser o fármaco mais eficaz no manejo do TOC para a atenuação dos pensamentos obsessivos e redução dos rituais compulsivos, sendo superior ao placebo (60% vs. 5% de resposta), a outros ADT e possivelmente aos ISRS (Koran et al., 1996). Sua efetividade está baseada possivelmente em sua ação serotoninérgica, como demonstram estudos comparativos com Desipramina (Leonard et al., 1988; 1989; 1991). A melhora, no entanto, está limitada à continuidade da medicação (Pato et al., 1988).
A Fluoxetina, 40-80 mg/dia (Jenike et al., 1989; Pigott et al., 1990; Tollefson et al., 1994), Fluvoxamina, 150-300 mg/dia (Perse et al., 1988b; Goodman et al., 1989a; 1990b; Jenike et al., 1990), Sertralina, 50-225 mg/dia (Chouinard et al., 1990; Greist et al., 1995b) e Paroxetina, até 60 mg/dia, foram estudadas com bons resultados também para o tratamento do transtorno, mas com menores efeitos secundários e menores taxas de abandono (27% com Clomipramina vs. 11% com Sertralina) em um estudo duplo-cego (Bisserbe et al., 1995; Greist et al., 1995a). Os ISRS demonstram uma eficácia que se correlaciona estreitamente com a dose utilizada. Embora a Buspirona tenha mostrado ser tão eficaz quanto a Clomipramina em um estudo (Pato et al., 1991), outros não encontraram resposta alguma com aquela. Em pacientes com lentidão obsessiva primária (um tipo de obsessão de simetria e precisão), a resposta aos medicamentos é pobre, sendo uma alternativa os IMAOs. Quase sempre, quando as medicações eficazes no TOC são descontinuadas, a recaída ocorre rapidamente (Pato etal., 1988). Em casos refratários ou com resposta parcial, foi relatado que a Fenfluramina aumenta os efeitos terapêuticos da Fluoxetina, Fluvoxamina e Clomipramina (Hollander et al., 1990).
Os antipsicóticos têm sido recomendados no tratamento do TOC em pacientes com transtorno de personalidade esquizotípica ou tiques associados ou refratários aos antidepressivos, devido às alterações encontradas no sistema dopaminérgico: Clozapina, 25 mg/dia, com incrementos a cada 2 semanas até 100 mg/dia, Pimozida, Sulpirida ou Haloperidol (Goodman et al., 1990a; McDougle et al., 1990; 1994; Austin et al., 1991).
A melhora se apresenta nas primeiras 10 a 18 semanas de tratamento com dose máxima tolerada, com uma magnitude de resposta que varia entre 30% a 60% (Zak et al., 1988; Deveaugh-Geiss et al., 1989); as recaídas são frequentes ao suspender o tratamento (Pato et al., 1988; Leonard et al., 1991). Em alguns pacientes refratários, utiliza-se adicionalmente o Lítio, 600-900 mg/dia, ou L-triptofano, entre outros (Rasmussen, 1984). O Clonazepam e o Alprazolam foram usados com algum efeito (Tollefson, 1985; Hewlett et al., 1990; 1992).
A terapia comportamental (exposição in vivo, exposição imaginária e prevenção de resposta (habituação) ou redução de rituais), sozinha ou associada ao tratamento farmacológico, é realizada por meio de um plano autoprescrito de hierarquias de menor a maior grau de dificuldade e ansiedade, com o monitoramento do terapeuta que sugere táticas de enfrentamento para permitir a tolerância ao mal-estar até que a ansiedade diminua; “a ênfase está sempre em ajudar o paciente a ajudar-se a si mesmo” (Greist, 1994). Inicialmente, a exposição e prevenção de resposta devem durar pelo menos 1 hora diária. Os benefícios da terapia comportamental geralmente persistem por vários meses ou anos (Marks et al., 1980; 1988; O’Sullivan et al., 1991; Cottraux et al., 1990; Orloff et al., 1994). Em lavadores e verificadores, as melhorias objetivas iniciais são de 60% a 85%, e a longo prazo de 50% em 80% dos pacientes (Steketee et al., 1982). Não está claro se o componente cognitivo proporciona algum efeito adicional além do efeito obtido pela terapia comportamental, ainda assim o paciente deve conhecer os princípios de exposição e ritual de redução/prevenção (Perse, 1988a; Marks, 1981). Os pacientes que respondem à terapia comportamental têm uma redução no metabolismo do caudado (Baxter et al., 1992). Certos estudos demonstraram a vantagem da terapia comportamental em TOC leve em relação aos antidepressivos serotoninérgicos (Greist, 1999). Por outro lado, vários estudos mostraram que a combinação de Clomipramina e terapia do comportamento facilita a aceitação desta última por parte do paciente e produz uma maior resposta que a terapia comportamental sozinha, pelo menos a curto prazo (Marks et al., 1980; 1988; O’Sullivan et al., 1991).
Além disso, utiliza-se a psicocirurgia em casos intratáveis (0,5% dos pacientes) por meio da lesão cirúrgica de áreas orbitomediais (leucotomia límbica) e do cíngulo (cingulotomia anterior) e com melhorias substanciais ao cabo de alguns meses em dois terços dos pacientes (60%) e alguma melhora em 20-30% (Jenike et al., 1991; Mindus, 1992; Cosgrove & Rauch, 1995). O estudo de Baer et al., em 18 pacientes refratários, mostrou menores taxas de resposta: 25% a 30% de melhora significativa com cingulotomia e 17% de resposta parcial, com poucas complicações (Baer et al., 1995). A principal complicação são as convulsões que podem ser controladas facilmente com Fenitoína ou Carbamazepina.
Em 1997, foram publicadas as diretrizes recomendadas por um consenso de 69 especialistas para o manejo do TOC; estas estão organizadas de tal maneira que as recomendações podem ser consultadas de acordo com o tipo de paciente e a fase do tratamento em que se encontra (March et al., 1997):
Guia 1A e 1B (seleção da estratégia de tratamento inicial): Iniciar com terapia cognitivo-comportamental (TCC) na maioria dos pacientes, especialmente crianças pré-púberes ou adolescentes e adultos com um TOC leve (Y-BOCS = 10 a 18); a medicação é de primeira escolha no paciente adolescente ou adulto com um TOC severo (Y-BOCS > 30). Uma alternativa muito favorecida pelos especialistas é o início combinado da TCC e um ISRS, o qual é eficaz, de início rápido e bem tolerado. A TCC demonstrou ser de efeito mais durável que a medicação em caso de suspensão do tratamento.
Guia 2A e 2B (seleção das técnicas cognitivo-comportamentais específicas): A TCC consiste em técnicas de exposição e prevenção de resposta e terapia cognitiva. Os temores de contaminação, os rituais de simetria, contagem/repetição e acumulação e as urgências agressivas, respondem melhor às técnicas de exposição e prevenção de resposta, enquanto a escrupulosidade, a culpa moral e a dúvida patológica, respondem melhor às técnicas cognitivas. O tratamento ambulatorial deve ser semanal como mínimo, individual e de umas 13 a 20 sessões em média. Considerar a adição de terapia familiar quando apropriado.
Guia 3 (seleção de uma estratégia de medicação específica): Os ISRS são os medicamentos que se posicionam como primeira escolha por seu excelente perfil de tolerabilidade (Fluvoxamina e Fluoxetina foram os mais recomendados pelos especialistas). Se não houver uma resposta adequada às doses médias para TOC, devem ser levados a doses máximas em um período de 4 a 9 semanas e esperar umas 8 a 13 semanas para avaliar sua resposta. Considerar-se-á a possibilidade de mudar para outro ISRS se não houver resposta satisfatória após 4 a 6 semanas com doses máximas.
Guia 4A e 4B (quando ainda é possível esperar melhora): É preciso considerar oportunamente a adição da TCC ou do ISRS ou a modificação da técnica ou do antidepressivo em caso de pouca resposta. Em pacientes mais velhos ou muito doentes, a adição dos ISRS à TCC deve ser precoce. Se não houver resposta com as doses máximas de 2 ou 3 ISRS combinados com TCC, sugere-se a mudança para Clomipramina. Se esta última não permitir uma maior resposta, pode-se considerar a adição de outra medicação com base nas características associadas ao TOC.
Guia 5 (estratégias para o paciente refratário ao tratamento): Em TOC de grande severidade, é preciso considerar a mudança de TCC, o aumento das medicações ou medidas “heroicas” como a Clomipramina I.V. (Koran et al., 1994), a TEC se o paciente tiver uma depressão concomitante ou a neurocirurgia (Jenike & Rauch, 1994).
Guia 6 (estratégias de tratamento para a fase de manutenção): Consultas mensais durante 3 a 6 meses após a TCC ou um ISRS e uma recuperação adequada; a medicação deve ser continuada por um período de 1 a 2 anos e depois descontinuada gradualmente (25% a cada 2 meses). Considerar o uso de medicação a longo prazo após 3 a 4 recaídas leves ou moderadas ou de 2 a 4 recaídas severas, apesar de um tratamento adequado.
Guia 7 (minimização dos efeitos secundários da medicação): Escolher um ISRS antes da Clomipramina e titular as doses de acordo com a resposta do paciente, levando em conta o tempo de resposta a esperar e a tolerabilidade aos efeitos adversos. Em caso de insônia, acatisia ou náuseas, pode-se considerar a possibilidade de mudar para Clomipramina.
Guia 8 (tratamento do TOC complicado por doenças psiquiátricas comórbidas): Deve ser feita uma avaliação cuidadosa, tendo em conta que muitas vezes a comorbidade vai determinar o tipo de tratamento de início: em transtorno de Tourette, TCC + ISRS + antipsicóticos; em TDAH, TCC + ISRS + psicoestimulantes; em transtorno bipolar, TCC + estabilizador do humor (+ ISRS); em transtorno de conduta, antissocial ou desafiador, TCC + ISRS + terapia familiar; em esquizofrenia, ISRS + antipsicótico; em transtorno de ansiedade, TCC + ISRS + Clonazepam.
Guia 9 (tratamento do TOC complicado por gravidez ou doenças não psiquiátricas comórbidas): Na gravidez, é possível recomendar o uso de TCC sozinha, mas considerando a relação risco-benefício [Em caso de usar medicação, preferir Fluoxetina pela segurança durante a gravidez e porque se evita o risco de hipotensão ortostática e convulsões neonatais no momento do parto (Cowe et al., 1982)]. Em pacientes com patologia cardíaca ou renal, pode-se optar pela TCC sozinha ou associada ao ISRS.
Guia 10 (farmacoterapia para as condições do “espectro TOC”): Ter em conta que o transtorno dismórfico corporal e a bulimia respondem aos ISRS, assim como a tricotilomania e a hipocondria; o transtorno no controle de impulsos e os tiques tendem a ter pouca resposta.
Transtorno de Estresse Agudo
Definição
Desenvolvimento de sintomas característicos (dissociativos ou ansiosos) diante de um estressor extremamente traumático. Os indivíduos têm uma resposta emocional diminuída, frequentemente expressa como incapacidade de desfrutar situações prazerosas antes do evento e sentimentos frequentes de culpa. Podem experimentar dificuldades na concentração, sentimentos detalhados das partes de seu corpo, experiências de irrealidade do mundo ou dificuldade para recordar detalhes específicos do evento traumático (amnésia dissociativa). Adicionalmente, pelo menos um dos itens de transtorno de estresse pós-traumático está presente. Apresentam um alto risco para desenvolver um transtorno de estresse pós-traumático e a impulsividade e o comportamento de alto risco podem aparecer após o trauma. Os sintomas são experimentados durante ou imediatamente após o trauma, durando pelo menos 2 dias e resolvendo-se em 4 semanas; se os sintomas persistirem por mais de um mês (70% a 90% dos indivíduos), deve-se fazer um diagnóstico de estresse pós-traumático (American Psychiatric Association, 1994) (tabela 10).
Etiopatogenia
Estímulos estressantes de muitos tipos produzem marcados aumentos na função noradrenérgica cerebral, de tal maneira que o locus coeruleus, ao inervar regiões límbicas como hipotálamo, hipocampo e amígdala, e o córtex cerebral, transmite a ativação noradrenérgica para a elaboração de respostas adaptativas ao estresse. Por outro lado, o estresse agudo também aumenta a liberação de dopamina e seu metabolismo em várias regiões cerebrais, embora o córtex pré-frontal medial pareça ser particularmente vulnerável ao estresse de baixa intensidade ou de breve duração. Além disso, os níveis de peptídeos opióides endógenos elevam-se e levam à anestesia evidenciável após um trauma ou estresse agudo incontrolável (Charney et al., 1993).
O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal também faz parte da resposta ao estresse agudo, o qual leva ao aumento de ACTH e corticosterona. Finalmente, o fator liberador de corticotropina (CRF) aumenta suas concentrações no nível da amígdala, hipocampo e locus coeruleus diante de situações de estresse, levando a taxas de disparo aumentadas em neurônios noradrenérgicos do locus coeruleus e ao aumento do metabolismo de dopamina no nível do córtex pré-frontal (Charney et al., 1993).
Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)
Definição
Desde o século passado, as síndromes traumáticas foram enquadradas em diferentes abordagens etiológicas; Oppenheim as considerava de origem orgânica e Charcot, de origem psicológica. Com o advento das teorias psicanalíticas, as neuroses traumáticas foram vistas como o resultado da reativação de um conflito não resolvido em uma pessoa predisposta. Com a Primeira Guerra Mundial, o transtorno foi denominado “coração de soldado” pela marcada resposta à epinefrina que esses pacientes apresentam. Na Segunda Guerra Mundial, adotou os nomes de “fadiga operacional” e “neurose de combate“. O DSM-I faz menção das reações intensas ao estresse e as divide nos tipos civilizado e de combate. No DSM-II, o transtorno foi incorporado aos transtornos de ajustamento da vida adulta e não se considerava a apresentação crônica do mesmo. O DSM-III foi o primeiro a utilizar o termo de Transtorno de Estresse Pós-Traumático, considerando que o mesmo se devia a um processo natural de adaptação a situações extraordinariamente adversas, não dependendo da vulnerabilidade constitucional; o DSM-III-R exigia que a experiência traumática superasse a experiência humana usual (Davidson, 1995; N.C.A., 1995 [editorial]).
Apresenta-se nos 3 primeiros meses seguintes a um trauma precipitante único (situações traumáticas extremas ou catastróficas) ou após eventos traumáticos repetidos, que levam o paciente a evitar estímulos associados, a reexperimentar o evento traumático e a apresentar um aumento na resposta autonômica simpática. No entanto, também podem ocorrer alterações de memória do tipo amnésia dissociativa em forma de lacunas que cobrem minutos a dias (Bremner et al., 1993a) ou alterações na memória explícita (memória visual ou verbal que permite a recuperação rápida de informação dada por listas de palavras ou fatos) (Bremner et al., 1993b). O temor condicionado, a sensibilização comportamental e uma falha na extinção podem ser importantes na persistência e reexperimentação de memórias traumáticas e sensibilidade aos estressores. Certos eventos que são emocionalmente carregados são acompanhados de um aumento da memória das circunstâncias pessoais e detalhes centrais do evento, com pouca lembrança dos detalhes periféricos (Bremner et al., 1996). O indivíduo faz esforços permanentes para evitar pensamentos, sentimentos ou conversas acerca do evento traumático, mas a capacidade do evento traumático para reviver memórias traumáticas e “flashbacks” faz pensar em um transtorno dos mecanismos envolvidos na redução de resposta ou extinção do estímulo, que, se apropriado, permitiria o mascaramento da memória aversiva original (Charney et al., 1993). Como os eventos que mais geram o transtorno costumam ser os relacionados com guerras, torturas, atos violentos, trauma físico ou sexual, o indivíduo pode experimentar uma grande culpa por ter sobrevivido a tais situações enquanto seus companheiros não. A personalidade prévia do paciente é normal, mas após o evento traumático, podem apresentar-se transtornos na modulação do afeto, comportamento autodestrutivo e impulsivo, sintomas dissociativos, referências somáticas, sentimentos de ineficácia, desesperança, de dano permanente, perda de crenças prévias, relações interpessoais afetadas… (tabela 11).
A anterior reação pode resolver-se nos próximos três meses (metade dos casos), enquanto em outros tende a cronificar-se e inclusive a tornar-se severa (transtorno de ansiedade atípico). A maioria dos sintomas se resolve ao cabo de 2 anos. Horowitz propôs um modelo para o TEPT considerando os sintomas do transtorno como uma continuação dos fenômenos traumáticos agudos normais e a falha na restituição desse processo; além disso, a severidade e cronicidade dos sintomas estariam em relação com a magnitude do trauma (Brett & Ostroff, 1985). No entanto, a heterogeneidade das respostas agudas ao trauma implica que certas respostas possam ser adaptativas, enquanto outras sejam maladaptativas.
As alterações ocorrem nos planos emocional, psicomotor ou cognitivo, ou em vários deles. Este transtorno pode aumentar o risco em 50% a 90% dos indivíduos de apresentar um transtorno do pânico, agorafobia, TOC, fobia social, fobia simples, transtorno depressivo maior, transtorno de somatização e transtornos relacionados ao uso de substâncias, que não existiam antes do evento traumático (American Psychiatric Association, 1994).
Em crianças, podem ocorrer jogos repetitivos nos quais os temas ou aspectos do trauma são expressos, pesadelos sobre o evento ou sintomas físicos como dores abdominais ou cefaleias (Pynoos et al., 1987). Uma história de abuso físico na infância aumentou o risco de desenvolver um TEPT na idade adulta em veteranos da guerra do Vietnã (Bremner et al., 1993c).
Etiopatogenia
Entre as causas, foram sugeridos os fatores cognitivos, sentimentos de culpa ou vergonha, índices de processamento de informação anormais (com alterações para discriminar entre o relevante e o irrelevante, entre o seguro e o inseguro), aumento do tônus simpático (o aumento na resposta noradrenérgica diante de estímulos estressantes repetidos foi associado à hipossensibilidade de autorreceptores a2-adrenérgicos e diminuição na densidade de receptores b pós-sinápticos, diminuição na densidade de receptores a2-adrenérgicos plaquetários e elevação na excreção de noradrenalina na urina de 24 horas), diminuição da função serotoninérgica central (a serotonina previne a percepção de estímulos neutros como traumáticos), alterações endócrinas (hipercortisolemia aguda por dessensibilização de receptores no nível hipotalâmico [ausência de resposta ao feedback], e hipocortisolemia crônica, com supressão exagerada do cortisol plasmático após a administração de dexametasona) e anormalidades do sistema opioide (que teria relação com os componentes dissociativos e com a reexposição compulsiva aos eventos traumáticos) (McFarlene, 1989; Pitman et al., 1990; Yehuda et al., 1991; 1993; Southwick et al., 1993; Charney et al., 1993). Alguns eventos específicos foram associados ao transtorno de estresse pós-traumático: crime violento, trauma sexual, abuso físico crônico, combate militar, desastres naturais ou fabricados, lutos complicados e inesperados, acidentes e cativeiro (Breslau et al., 1991). No entanto, os crimes violentos resultam em uma maior incidência de TEPT (19% a 75%) que os desastres naturais, desde que não sejam vivenciados de forma prolongada, já que dessa maneira ocorre uma redução substancial nas taxas de prevalência (Yehuda et al., 1995). Resnick et al. demonstraram que mulheres com história de abuso sexual foram três vezes mais suscetíveis a desenvolver um TEPT posteriormente (Resnick et al., 1995). Por outro lado, as alterações no REM e a hipersensibilidade a ruídos fortes foram consideradas fatores críticos no desenvolvimento dos pesadelos e das lembranças diurnas em relação ao evento traumático (Ross et al., 1989; Butler et al., 1990).
O TEPT pode comprometer o funcionamento da amígdala, locus coeruleus, tálamo, núcleo accumbens, striatum e hipocampo (regiões CA2 e CA3). O estresse agudo leva à ativação dos neurônios do locus coeruleus pela ativação do CRF (fator liberador de corticotropina). Um estudo com RMN em 22 veteranos da guerra do Vietnã mostra uma diminuição de 12% no volume do hipocampo, enquanto outro mostra uma diminuição de 8% apenas no hipocampo direito, o que explicaria as alterações na memória explícita desses pacientes. Hipotetiza-se que tal diminuição pode ser devida ao dano sofrido por essa estrutura diante do hipercortisolismo acentuado que ocorre durante o evento estressante (McEwen et al., 1992; Stein & Uhde, 1995; Bremner et al., 1995). O estresse, a dor e a ansiedade, por exemplo, levam à liberação de vasopressina e ACTH, que, se muito intensas (como no Transtorno de Estresse Pós-Traumático), podem levar a uma liberação excessiva de cortisol e ao dano dos neurônios piramidais hipocampais, devido à concentração incomum de receptores para glicocorticoides que essa estrutura possui e à expressão reduzida de fatores de crescimento neuronal nessa região que, em outras circunstâncias, se comportariam como protetores do dano neuronal (Kandel & Kupfermann, 1995; Smith et al., 1995). Os neurotransmissores e neuropeptídeos liberados durante o estresse afetam a aprendizagem e a memória. A administração de norepinefrina na amígdala após uma tarefa de aprendizagem influencia a capacidade retentiva em forma de “U” invertido: a retenção é aumentada com doses moderadas (0,2 mgr.) e alterada com doses altas (0,5 mgr.) (Liang et al., 1990).
A sensibilização ou aumento na magnitude de resposta a estímulos condicionados, depende de sistemas noradrenérgicos pela liberação de noradrenalina no nível do córtex pré-frontal medial e sistemas de tipo dopaminérgico por meio de receptores D1, e alteração na regulação da substância P ou os receptores GABAA, NMDA ou opiáceos sobre os neurônios dopaminérgicos (Charney et al., 1993). A dopamina e a acetilcolina aumentam a formação da memória (Gasbarri et al., 1993), assim como os antagonistas opióides como a Naloxona, enquanto os agonistas opióides perturbam a retenção (Introini-Collison et al., 1989). Os antagonistas GABA como a bicuculina perturbam a retenção da memória após serem administrados no nível da amígdala; os agonistas GABA têm o efeito oposto (Brioni et al., 1989). O estresse crônico sustenta a ativação desses neurônios (indução de genes de resposta precoce) sempre e quando o animal for exposto a um estímulo neutro previamente associado ao estresse. Caso contrário, ocorrerá uma diminuição na resposta do fos pela diminuição na produção de AMPc e no número de receptores a1 e b-adrenérgicos (“down-regulation”) (Nestler & Duman, 1995).
Embora o TEPT seja muito mais alto naqueles que experimentaram uma situação traumática, foi detectado que o mesmo se apresenta mais naqueles indivíduos com maiores taxas de psicopatologia em suas famílias, especialmente transtornos de ansiedade (McFarlene, 1989; Davidson et al., 1989). Um estudo de gêmeos que foram veteranos da guerra do Vietnã encontrou influência genética para o TEPT (True et al., 1993).
Epidemiologia
Mais frequente em mulheres (2:1) de qualquer idade, com separação dos pais em idade precoce, com transtornos de ansiedade ou depressão prévios e transtorno de personalidade antissocial familiar. Prevalência: 1% a 14% na comunidade e 3% a 58% em populações de alto risco. A prevalência ao longo da vida é de 1% a 9% na população geral, de 15% em pacientes psiquiátricos hospitalizados e de 3,6% a 75% na população de alto risco (Breslau et al., 1991; Saxe et al., 1993; American Psychiatric Association, 1994). O National Comorbidity Study menciona uma prevalência de 7,6% (Kessler et al., 1994). Na Colômbia, o Estudo de Saúde Mental com uma amostra de 15.045 entrevistados revela uma prevalência ao longo da vida de 4,3%, sendo mais frequente em homens (6,8% vs. 1,9%), com um pico de maior prevalência em indivíduos entre 25 e 29 anos (8,9%) (Torres & Montoya, 1997).
Apesar da definição do transtorno, tais cifras permitem assumir que a ocorrência de TEPT após um evento traumático é a exceção mais do que a regra; o TEPT é relativamente raro, considerando a prevalência dos traumas na vida cotidiana. Um estudo mostrou que, dos 39% dos indivíduos (1007 jovens) expostos a um trauma, apenas 23,6% desenvolveram um TEPT ao longo de sua vida (Breslau et al., 1991; American Psychiatric Association, 1994; Yehuda et al., 1995).
Tratamento (Terapêutica)
Em 1988, Friedman afirmava que “não existe boa evidência sobre a eficácia de qualquer medicamento disponível no TEPT” (Friedman, 1988). No entanto, a Imipramina foi superior ao placebo no tratamento de veteranos combatentes da guerra do Vietnã, com maiores efeitos nos sintomas intrusivos (Frank et al., 1988). A Amitriptilina permitiu reduzir a sintomatologia de veteranos da guerra do Vietnã e da II Guerra Mundial, especialmente nos sintomas de evitação (Davidson et al., 1990). Os IMAOs (Fenelzina, 71 mg/dia) parecem ser mais eficazes que os ADTs (Imipramina, 240 mg/dia) em sintomas como pesadelos, aparecimento súbito de lembranças traumáticas (“flashbacks”) e lembranças intrusivas, mas não em sintomas de evitação, obsessão ou intrusão (Hogben & Cornfield, 1981; Davidson et al., 1987; Frank et al., 1988), com exceção da Clomipramina, que também demonstrou ser útil em todos os sintomas mencionados em doses de 100 a 150 mg/dia (Chen, 1991). Estudos com ADTs de ação noradrenérgica como Desipramina não relatam diferenças significativas na taxa de resposta em relação ao placebo (Reist et al., 1989). Estudos com ISRS confirmaram a eficácia dos medicamentos serotoninérgicos no TEPT. A Fluoxetina mostrou uma redução da sintomatologia (especialmente perplexidade e sintomas de hiperalerta) em um estudo duplo-cego em relação ao placebo após 5 semanas. A resposta à Fluoxetina foi melhor nas vítimas de traumas civis do que nas vítimas de traumas relacionados ao combate em guerra (van der Kolk et al., 1994). Um estudo aberto com Fluoxetina também mostrou sua eficácia no TEPT (Nagy et al., 1991) e um estudo duplo-cego recente demonstrou também maior eficácia e maiores taxas de recuperação com Fluoxetina do que com placebo desde a primeira semana de tratamento (Connor et al., 1999). A Fluvoxamina também mostrou ser eficaz no controle de sintomas como lembranças, evitação, hiperalerta e perplexidade em 10 de 11 sujeitos de um estudo aberto de 10 semanas (Marmar et al., 1996). Utilizando diferentes escalas de avaliação, Trazodona, Bupropiona, Propranolol, Clonidina, Tioridazina, Buspirona, Ciproheptadina, Naltrexona, Carbamazepina, Lítio, Ácido Valproico, Alprazolam ou Clonazepam também foram avaliados com resultados promissores (Fitchner et al., 1997); a terapia de exposição pode alcançar resultados tão satisfatórios quanto os apresentados pelos medicamentos; outras abordagens são o treinamento com inoculação de estresse, terapia implosiva, dessensibilização sistemática (in vivo ou por imaginação), terapia de grupo, terapia de relaxamento. Cerca de 30% dos pacientes se recuperam completamente, 40% continuam com sintomas leves, 20% com sintomas moderados e 10% permanecem sem alteração ou pioram. Os antidepressivos podem ter uma latência de quase 8 semanas para mostrar alguma resposta, e a manutenção deve durar pelo menos 1 ano (Solomon et al, 1992). Uma alta intensidade de exposição ao trauma original e a depressão de base são maus preditores de resposta à Amitriptilina (Davidson et al., 1993b). Em caso de sintomas psicóticos, hipervigilância ou impulsividade severa, antipsicóticos podem ser prescritos.
Transtorno de Ajuste
Definição
Transtorno definido como entidade independente no DSM-IV (tabela 12). Consiste no desenvolvimento de uma resposta comportamental patológica contínua (denominada por alguns como estresse) a um estressor psicossocial que altera o funcionamento social ou vocacional e que se encontra em um range de experiência normal como casamento, perda do trabalho, divórcio… Hans Selye definiu o estresse como um síndrome que provoca uma resposta inesperada do organismo a um estímulo ambiental; como um desequilíbrio percebido entre as demandas e a capacidade do indivíduo para realizá-las quando as consequências do fracasso são importantes (Seward, 1993).
Aparece usualmente nos primeiros 3 meses da situação estressante e não dura mais de 6 meses geralmente. Pode ser acompanhado de depressão, ansiedade, inibição, fadiga, cefaleia, dor nas costas, transtorno do comportamento ou isolamento. É mais frequente em adolescentes e em pacientes com transtorno de personalidade histriônica por sua marcada labilidade emocional.
Epidemiologia
Resulta da superposição do contexto ambiental, da vulnerabilidade do indivíduo e da situação ou condição iniciadora (estressante). A escala de Holmes-Rahe de eventos da vida recente (positivos e negativos) atribui um valor aos mesmos de acordo com sua capacidade de gerar estresse (Seward, 1993) (tabela 13).
Tratamento (Terapêutica)
Geralmente, não necessita de tratamento farmacológico, e uma psicoterapia breve pode ser útil, assim como algumas técnicas de relaxamento; o desenvolvimento de um plano de ação minimiza o estresse do indivíduo. Ocasionalmente, as benzodiazepinas ajudam a diminuir o estresse e a restabelecer o sono (Dagadakis, 1993). Naqueles com curso crônico, tratar os riscos secundários.
Existem técnicas para a redução do estresse, como o treinamento assertivo, a solução de conflitos, o desenvolvimento de habilidades para tomar decisões e resolver problemas, o estabelecimento de objetivos e prioridades, o treinamento em habilidades interpessoais, manejo do tempo, psicoterapia e tratamento psicofarmacológico (antidepressivos ou ansiolíticos).